quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MONOGRAFIA OS GRANDES REFORMADORES

INTRODUÇÃO.


Nossa memória é o fim de nossa identidade pessoal; nossa memória nos liberta daquilo que Melanchthon, o colega de Lutero, chamava de infância perpétua. Sem nosso passado não temos presente e nem futuro. A memória e a história são cruciais para nossa identidade, mas elas não são fáceis de conceptualizar em relação a suas origens e alvos. Neste ponto busco consolo num comentário de Santo Agostinho (354-430), o grande teólogo africano, que, ao tratar do tempo escreveu: “o que, então, é o tempo? Se ninguém me pergunta, não sei” (confissões livro XI).

Esse teólogo ocidental extremamente influente estava tentando relacionar com sua cultura helenístico-romana a convicção cristã, de que a identidade da comunidade está enraizada na história, e não na filosofia e ética. Essa convicção já estava claramente enunciada no resumo histórico dos credos cristãos, que confessam a fé na pessoa histórica de Jesus Cristo, que nasceu, sofreu e morreu. Os cristãos dão a história, uma interpretação singular quando também confessam que Jesus foi ressuscitado dentre os mortos e irá retornar para levar à história à consumação. Assim, a partir de uma perspectiva interna, a identidade da comunidade cristã é formada tanto pelo passado histórico, quanto pelo futuro histórico, sem sensibilidade para essa asserção teológica teremos dificuldade de entender plenamente o poder que concepções apocalípticas da história, tinham nas Reformas.

Como veremos, a identidade histórica da comunhão dos santos tornou-se um assunto controvertido central na era da reforma.

A época consumada da igreja era representada pelos três primeiros séculos, que viam como repletos do espírito de liberdade, da fé viva e da vida santa. A corrupção e a decadência da igreja primitiva teriam começado sob o primeiro Imperador cristão, Constantino o Grande, com a legitimação da Igreja no Império Romano e sua conseqüente participação no poder e riquezas romanas. Também conforme esta perspectiva via-se a Idade Média como um longo período de declínio.

No panorama histórico da pré- reforma, entre as várias condições essenciais para a compreensão de um movimento de tamanha importância é necessário compreender: as abordagens das transições teológicas, econômicas, sociais, políticas e geográficas, desde o período em que estas exigem uma série de transformações religiosas, como foi à reforma protestante.

A abordagem dos movimentos pré-reformadores, como sendo os que fornecem, até certo ponto, as bases dos movimentos da Reforma.

O processo de transição feudo-capitalista teve na Reforma Religiosa do século XVI a grande revolução espiritual que encaminhou o homem à modernidade. Não podemos considerar a Reforma uma simples manifestação de descontentamento, pois, ao romper a unidade do cristianismo ocidental, alterou profundamente a estrutura clerical e a visão sobre vários dogmas, como também uma revisão na essência da doutrina da salvação.

Em síntese, podemos entender a reforma como uma tentativa de restauração do cristianismo primitivo ou verdadeiro que, de um modo geral, começou a se processar desde a Baixa Idade Média e atingiu sua maior amplitude com a Reforma protestante, e a reação católica representada pela Contra-Reforma.

Com a crise do modo de vida feudal, o renascimento urbano-comercial passou a determinar um novo contexto sócio-econômico. A igreja católica, no entanto, com sua postura doutrinária acerca do empréstimo de dinheiro a juros e a busca do lucro em geral (usura), passou a representar um bloqueio ao espírito de acumulação pré-capitalista. Começou a se fazer sentir cada vez mais a necessidade de adequar a fé e os princípios religiosos à nova realidade econômica. Se de um lado tínhamos a burguesia nascente tentando conciliar a nova mentalidade do lucro e da acumulação de riquezas com sua consciência religiosa, a crise estrutural, pela qual passava o feudalismo, gerava uma atmosfera de tensões e conflitos entre os servos e os senhores feudais.

As pressões senhoriais traduziram-se em constantes revoltas camponesas. Nesse contexto de transformações sócio-econômicas, a crise religiosa passou a ser um elemento de convergência das lutas das classes. De um lado, o poder senhorial católico (nobreza feudal e alto clero) do outro, a burguesia ascendente e o campesinato oprimido.

Do ponto de vista político, o processo de fortalecimento e centralização do poder real, que culminou com a formação das Monarquias Nacionais, fez surgir um Estado forte e dominador, o que tornou inevitável e imperioso o controle sobre a Igreja. Por outro lado, era oportuna a convulsão religiosa que permitia aos soberanos confiscar os bens e submeter a Igreja à sua tutela, como veremos na Inglaterra de Henrique VIII ou na Alemanha de Martinho Lutero.

Neste contexto de mudanças econômicas, sociais e políticas, surgiram as condições determinantes para a Reforma. Levando em conta, contudo, que os problemas de ordem religiosa e espiritual tiveram fundamental importância. Não podemos associar essa verdadeira revolução da cristandade, exclusivamente a fatores materiais, econômicos (capitalismo) ou políticos. A grande questão estava ligada à crise religiosa criada a partir da inadequação do clero (Igreja católica) à qualificação da fé (Renascimento/Humanismo).

A humildade, no contexto da transição feudo-capitalista (século XVI), mantinha uma profunda fé em Deus.

As provas da fé foram constantes ao longo da Idade Média; as Cruzadas; a construção de igrejas e as heresias nos comprovam uma religiosidade do Renascimento com o desenvolvimento técnico e o surgimento da imprensa, a publicação em série da Bíblia possibilitou a difusão e a conscientização religiosa dos fiéis, tornando-os mais exigentes e críticos em relação a Igreja Católica.

Os humanistas como Erasmo de Rotherdam (obra – Elogio da Loucura) e Thomas Morus (obra – Utopia) podem ser vistos como elementos dessa nova visão e consciência crítica, pois, ao condenar a ignorância e a imoralidade do clero, levaram ao comércio da fé e coisas sagradas (relíquias religiosas, milagres, etc..).

Muitos Papas tiveram um comportamento essencialmente temporal, agindo como nobres eclesiásticos que praticavam das guerras ao mecenato, do luxo à venda de indulgências (venda do perdão). Todo esse panorama decadente levou ao fortalecimento dos concílios como tentativa de reduzir a influência externa e o envolvimento do Papa com o poder político. Porém, os escândalos continuaram a acontecer. Um dos acontecimentos que marcaram a conjuntura da eclosão do processo reformista envolveu o Papa leão X. Com vistas a construção da Basílica de São Pedro, em Roma, Leão X negociou a venda de banqueiros alemães, os fuggers, tornando a fé um negócio de caráter mercantil e financeiro.

Em suma, o crescimento do sentimento e consciência religiosa dos fiéis, evidenciou os abusos e a corrupção do clero.

A salvação pela obra jogou a fé para um segundo plano e provocou uma verdadeira onda de questionamento sobre a função eclesiástica. Em uma conjuntura de transição, os problemas religiosos articularam-se a fatores econômicos, sociais e políticos, dando uma intensidade estrutural ao processo reformista.

I – A PRÉ – REFORMA

No panorama histórico da pré-reforma, entre varias condições essenciais para a compreensão de um movimento de tamanha importância, é necessário compreender:

- A abordagem das transições teológicas, econômicas, sociais, políticas e geográficas, desde o período em que estas, exigem uma série de transformações religiosas, como foi a Reforma Protestante;

- A abordagem dos movimentos pré-reformadores, como sendo os que fornecem, até certo ponto, as bases dos movimentos da Reforma.

Destacam-se os movimentos pré-reformadores no que concerne seu contexto, seus principais expoentes, seus principais seguidores; Jonh Wycliff, os Lolardos, Jonh Huss e os Hussitas e Jerônimo Savonarola. Abordando-se estas questões de posse das seguintes informações:

a) Condições econômicas e políticas do período dos pré-reformadores

b) Desenvolvimentos teológicos anteriores aos pré-reformadores

c) O misticismo alemão e a devoção moderna.


A) Condições Econômicas e Políticas do Período dos Pré-Reformadores

Os pré-reformadores estão inseridos num mundo vivendo numa profunda transição. O modo de produção feudal e a economia como um todo, entra em declínio em decorrência de cinco fatores: a instabilidade política, o fim das cruzadas, o crescimento populacional e o declínio da agricultura, e a peste bubônica .

A instabilidade política no período feudal foi decorrente de vários feudos e vários senhores feudais, que brigavam entre si e taxavam os produtos que passavam por suas terras. Este sistema descentralizado não pode subsistir as novas necessidades do Estado, frente à burguesia, nova classe promissora que surgia no período, e a necessidade do Rei de maior concentração de poder para fazer frente à nobreza feudal. O fim das cruzadas, que outrora haviam sido uma grande fonte de lucro e produtos, comprometeu o prestígio do papado da Igreja, que cobravam tributos para financiar as expedições.

Com o declínio destas, o retorno econômico das expedições foi tão ínfimo que minaram as bases econômicas formadas com base nestas arrecadações.

O crescimento populacional conjugado com o declínio da agricultura provocou a fome e a disseminação de epidemia, como a peste bubônica, que em três anos varreu o continente Europeu, matando aproximadamente a terça parte da população.

Além desses fatores, pode-se acrescentar a Igreja como um obstáculo para o progresso da burguesia nascente e para o fortalecimento das monarquias nacionais, pois era o maior senhor feudal da Europa, taxa os estados, intervinha em assuntos do Estado e era sustentada pelos habitantes das cidades e camponeses.

Pode-se acrescentar como fator fundamental o problema do “Cativeiro Babilônico”, que foi a existência de um Papa na cidade de Avignom. Posteriormente, o Grande Cisma que foi a existência de dois Papas: um em Roma e outro em Avignom descentralizou o poder da Igreja Romana, facilitando a oposição das monarquias a Igreja.

B) Desenvolvimentos Teológicos anteriores aos Pré- Reformadores

Pode-se aqui colocar historicamente o período da Escolástica através do seguinte quadro:

Século Etapa Corifeus

VIII – X Gestação -

XI – XII Inícios Anselmo de Cantuária, Pedro Abelardo, Pedro Lombardo

XIII Alta Escolástica Escola dominicana, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Mestre Eckhan

XIV – XV Escolástica Tardia Escola Franciscana; Boaventura, Duns Escotos, Guilherme de Oeckan, Gabriel Biel


Os pré-reformadores estavam totalmente influenciados pela concepção de Tomás de Aquino da teologia gerada por um duplo foco: da revelação e da reflexão autônoma sob a síntese da fé cristã e do pensamento aristotélico. Este aspecto gerou um impasse teológico, no sentido que a teologia estava fadada a morte, suprimida pela abrangência da Teodicéia . Este impasse não foi bem resolvido com as formulações de Duns Escotos e Guilherme de Ockhan, e permanecia gerando problemas até o período dos pré-reformadores.

No período pré-reformador, o aspecto que mais influenciou a teologia destes, foi a diferença entre realismo, realismo moderado e nominalismo. O realismo é o conceito teológico derivado do platonismo de que os universais ou idéias existentes independentemente das coisas particulares, conceito resumido na expressão latina universalia ante rem (os universais existem antes das coisas criadas). A crença nisto implica, numa atitude extrema, no panteísmo. Os principais adeptos desta concepção foram Agostinho e Anselmo .

Os realistas moderados defendiam que os universais têm uma existência objetiva, ainda que não existam separadas das coisas individuais, mas nelas, conceito resumido na expressão universalia in re (os universais existem nas coisas criadas).

Esta crença implica na busca da verdade sobre Deus nas coisas criadas, desenvolvendo uma teologia natural. Os principais adeptos desta concepção foram Tomás de Aquino e Abelardo.


Os nominalistas criam que as verdades ou idéias não têm existência fora da mente, sendo apenas idéias subjetivas formadas pela observação das coisas. A expressão latina é universalia post rem (os universais existem depois das coisas criadas). Este conceito implica numa separação entre a teologia e a razão, já que o absoluto é inacessível a esta. Foi defendido por Roscelino, Guilherme de Ockhan e Duns Escotos.

Os pré-reformadores não se desligaram das tendências teológicas do seu período, mas adotaram a maior parte das doutrinas. O diferencial deles em relação ao seu tempo é relacionado a um movimento moderado de retorno a Agostinho juntamente com modificações eclesiológicas importantes, que foram de encontro com as estruturas da Igreja neste período.

C) O Misticismo Alemão e a Devoção Moderna

Segundo Earle E. Cairns, o misticismo surgiu devido à ênfase escolástica da razão, em detrimento da emoção. Portanto, é a expressão dos nominalistas que se voltaram para o misticismo como forma de conhecer a Deus.

Pode ser identificado históricamente dois tipos de misticismo: o misticismo cristocêntrico, centrado na pessoa e influência de Cristo entre os místicos, e o misticismo neoplatônico, que parte do princípio de contemplação da divindade de um sentido intuitivo, pois a mente conserva a capacidade de conhecer a Deus. Esta capacidade não está na razão, mas na intuição.

A mística foi desenvolvida nos conventos, sem quase se externar, num período de grande necessidade em que surgiu a devoção moderna.

A devoção moderna foi o movimento surgido no seio da burguesia, entre os carentes de expressividade espiritual num período cuja escolástica havia abolido o espaço para a piedade medieval. Esta entrara em declínio e a devoção moderna prezava por algo que havia se perdido na Idade Média: O temor a Deus e a Santificação no dia-a-dia.

II – Os Pré-Reformadores

A) John Wycliff (1320 – 1383)

Nasceu em 1320, em North Riding of Yorkshire, formou-se no Balliol College, de Oxford, e foi ordenado sacerdote em data desconhecida, sendo indicio da sua ordenação a sua atividade da Igreja de Westbury-on-Trim, além de pertencer a uma Cúria Romana em 1361. Estudou na Universidade de Oxford, sendo após a sua graduação, professor de filosofia com grande êxito. Graduou-se doutor em teologia em 1372 e foi candidato à reitoria da paróquia de Lutterworth, devido aos bons serviços prestados à coroa, foi concedida a ele esta em 1374 e exerceu este cargo até sua morte. Tanto seu período na Igreja de Westbury-on-Trim quanto em Lutterwoth são indícios claros de sua participação na simonia da qual usufruíram os grandes prelados, por obter vantagens econômicas através do serviço à Igreja. Homem de destaque entre seus contemporâneos em Oxford, Wycliff fez parte de uma comissão real reunida em 1374 na cidade de Brujas.

Tinha como propósito de decidir com delegados do Papa, a questão dos impostos que Roma exigia do povo inglês.

Teve o apoio de John de Gaunt, Duque de Lancaster e filho de Eduardo III, de outros do seu grupo político, que tiveram contato com suas primeiras posições sobre o senhorio, contrárias a sangria econômica imposta pelos ingleses. Wycliff, destituído de um senso mais acurado sobre as realidades políticas, terminou por não ser bem-sucedido nas negociações, bem como não foi chamado para nenhuma outras destas . Wycliff, ao retornar a Inglaterra, surgiu com um discurso crítico à Instituição Católico-Romana. Este discurso ficou cada vez mais diretivo e acirrado á medida que se aprofunda no conhecimento das Escrituras e utiliza o rigor da sua lógica. Suas criticas a Igreja se acirram mais com o Grande Cisma de 1378. Escreve o tratado de Domínio Civil, lido para seus alunos no outono de 1376, que inspiraram os parlamentares ingleses a produzirem os 140 artigos de uma lei para corrigir os abusos eclesiásticos. Neste e outros tratados Wycliff aponta a incongruência da Igreja quando se ocupa a adquirir bens temporais.

Estas atitudes de Wycliff, evidentemente contrária a Igreja e suas práticas, fizeram com que ele fosse convocado pelo bispo de Canteburry, que ordena a Wycliff que se apresente ao bispo de Londres em 1377. Ele vai acompanhado de Lord Percy e mais quatro doutores, que defenderam Wycliff antes mesmos de qualquer pronunciamento seu o que provocou o final da reunião. Em maio de 1377, Gregório XI condena 18 teses do livro do domínio Civil. Apesar disto, Wycliff não foi preso, mas sim protegido.

Alguns meses depois, quando consultado sobre a legalidade da proibição de emitir dinheiro para Roma, ele afirmou ser esta proibição legal. O cisma do Ocidente, provocado pela eleição de Clemente VII no lugar de Urbano VI, em 1378, foi duramente reprovada por Wycliff, que identificou o Papa com o anticristo, afirmando ser possível a Igreja subsistir sem o Papa.

As doutrinas de Wycliff sobre o “senhorio” tiveram grande valia para a coroa num momento histórico em que era necessário. Posteriormente, os nobres começaram a perceber que suas doutrinas também versaram que o senhorio dos próprios nobres só era válida se estes servissem seus súditos.

Juntamente com o desenvolvimento desta doutrina, Wycliff escreve em 1380 um ataque formal contra as doutrinas da eucaristia, inclusive a transubstanciação , chamado Trialogus: tratado procedente da teologia de Lutero.

Ele também preparou uma tradução da Vulgata. Mais uma contribuição de Wycliff, foi a escrita em forma de prosa, inédita na língua inglesa. Estas atitudes radicais de Wycliff foram usadas pelos nobres, para eliminar o perigo de suas doutrinas sobre o senhorio, ao passo que seu radicalismo o fez perder o apoio na Universidade. Foi exigido o silêncio dele por John de Gaunt, em vista da oposição sofrida por ele, referentes as suas doutrinas e, por fim, ele ficou praticamente isolado.

Em 1381, uma revolta é movida pelos camponeses, de certa forma influenciada por suas doutrinas de igualdade na Igreja e sobre o “senhorio”. Neste ano, o bispo de Courtenay, seu maior inimigo, convocou para Wycliff um tribunal no convento de Blackfriars, havendo a intervenção neste caso da Universidade, que negou a jurisdição do bispo a Wycliff. E 1383 Wycliff sofreu um ataque de paralisia, e em 28 de dezembro de 1383 tem outro ataque e morre na véspera do ano novo.

Foi enterrado em Lutterworth, sendo desterrado, após condenação no Concílio de Constança (1415), pelo bispo Fleming, em 1428. Foi queimado e suas cinzas foram jogadas no rio Swift.

B) Doutrinas

Segundo Justo Gonzales, as doutrinas de Wycliff tomaram forma com o tempo, com as controvérsias e com o isolamento. Ele, na elaboração das doutrinas, impunha sob as formulações um rígido processo lógico com a intenção de obter últimas formulações, olhando-as por todos os aspectos.

A grande falha de Wycliff foi demonstrada quando participou de negociações. Ele não tinha muita facilidade para separar conceitos obtidos através de um rígido processo racial e a vida prática de Wycliff era realista.

Como fora demonstrado acima, os principais realistas são Agostinho e Tomás de Aquino. Estes dois têm um lugar de destaque no pensamento de Wycliff, que elabora a partir destes, suas doutrinas sobre eclesiologia e revelação.

Sobre a relação entre a razão e a revelação, a forma como Wycliff entende a realidade, tem ligação direta com seu pensamento, o que faz conceber que “ambas (revelação e razão) levam a mesma verdade universal”. Wycliff apresentou uma teologia ligada a Agostinho e Tomás Bradwardine.

O que está intimamente ligado com sua concepção realista e a reação de alguns teólogos na Inglaterra contra o pelagianismo .

A partir do pensamento de Agostinho, Wycliff adotou a doutrina da predestinação, sendo a Igreja a Assembléia dos predestinados. Também adotou a divisão de Agostinho entre Igreja invisível, formada por todos os predestinados, e a Igreja visível.

Ao identificar na Igreja hierárquica, vários problemas de ordem moral e grande corrupção, Wycliff afirma não ser esta a Igreja invisível, ainda que contenha indivíduos que façam parte desta. Esta doutrina, segundo “Paul Tilich, constituía um perigo para a Igreja romana, já que questionava os membros do clero através daquilo que viviam, sendo desconsiderada a autoridade destes, quando demonstram que não estão a serviços dos interesses do Reino de Deus, por que dele não fazem parte”.

Para Wycliff, a Igreja e sua tradição devem interpretar as Escrituras e isto demonstra que ele não é um mero apologista de Agostinho; no desdobramento de suas elucubrações lógicas, a Igreja exerce o papel de intérprete, mas esta Igreja não é a hierárquica, mas todos os remidos. Daí, diz Gonzales “a necessidade de Wycliff traduzir a Bíblia para o inglês e entregar estas traduções aos leigos”.

As doutrinas sobre o “senhorio” de Wycliff, segundo Jean Jacques Chevalier, “ressuscitam em favor do rei, é vigário de Deus e representante da realeza de Cristo”. A Igreja é independente do governo secular e o governo também é independente da Igreja. O papel do governo secular é servir a população, pois é instituída com este propósito. Portanto, se o Estado não exerce sua função, não deve ser considerado legítimo.

No aspecto de pregação da palavra, a doutrina defendida é que a predicatio verbi (pregação da Palavra) é o sacramento mais importante, além do fato que esta pregação deve ser realizada também por leigos, desde que sejam membros da Igreja invisível, podendo a pregação ser realizada na língua nacional.

O ponto mais controverso do pensamento teológico de Wycliff no seu contexto histórico foi seu posicionamento quanto à eucaristia. Quatro anos antes de sua morte, ele atacou a doutrina da transubstanciação com o argumento que achava impossível que os elementos deixavam de ser pão e vinho.

Esta questão era analisada por ele segundo o conceito da encarnação; da mesma forma a negação da encarnação de Deus constitui a heresia do docetismo, a doutrina da transubstanciação negava a presença espiritual de Cristo nos elementos. Portanto, da mesma forma que na encarnação, a alma encontra o corpo, Cristo está presente de forma espiritual nos elementos sacramentais.

C) Os Lolardos

O pensamento de Wycliff, dada a sua influência, foi responsável pelo surgimento do grupo denominado Lolardo. Este grupo se originou nos círculos acadêmicos, sendo constituído inicialmente dos discípulos de Wycliff entre os indivíduos de posição mais elevada. A gênese do nome deriva de uma expressão holandesa que significa “murmuradores”.

Os Lolardos divulgavam suas doutrinas entre o povo, alcançando adeptos entre as classes menos favorecidas. Estes adeptos se tornaram pregadores leigos, anunciando e apontando os desvios do clero, como suas aberrações sexuais, o culto às imagens e a doutrina da substanciação. Posteriormente em 1401, o parlamento por força da declaração “De Haeretico Comburendo” da Igreja romana, condenou a morte qualquer que se denominasse Lolardo. Estes foram intensamente perseguidos. Tentativas foram realizadas para legalizar o movimento, que neste momento tinha uma participação reduzida de nobres ou membros do clero, bem como tinham pouca força política. “Segundo Justo Gonzales, a maioria deles voltou ao seio da Igreja oficial”.

Um movimento lolardo, dirigido pelo Sir John Oldcastle em 1413 e 1414 fracassou e foi morto. Em 1431 uma conspiração lolarda com a intenção de reformar a Igreja e derrubar o governo, foi desbaratada, culminando na morte de milhares de lolardos. Não obstante a perseguição e as mortes, o movimento lolardo não foi totalmente subjugado, o que foi decisivo para a reforma protestante na Inglaterra, já que grupos lolardos se uniram aos primeiros protestantes.

D) John Huss e os Hussitas

John Huss nasceu em 1373 em Hussinek, uma pequena aldeia da Boêmia. Aos dezesseis anos, ingressou na Universidade de Praga, sendo estudante aplicado. Começou a lecionar em 1398, sendo também ordenado e logo assumiu o posto de pregador da capela dos Santos Inocentes de Belém, em Praga.

Ele ministrava os cultos em língua Boêmia e introduziu reformas litúrgicas conforme sua teologia.

Neste tempo, pregava contra os abusos da Igreja, sem apresentar variações na ortodoxia comumente aceita.

O posicionamento de Huss, não obstante apresentar um corpo de doutrinas equivalentes ao consensual da época alcançou os círculos acadêmicos em acirradas disputas.

Através de um discípulo seu Jerônimo de Praga, teve acesso às obras de Wycliff, que vieram a influenciar seu pensamento quanto aos abusos da Igreja, sem nunca adotar posicionamentos de Wycliff, quanto às doutrinas da ceia.

Sua influência foi crescente, o que levou Huss a pregar em muitos sínodos . Neste período, os alemães eram uma minoria muito influente na Boêmia; tinham um posicionamento nominalista, contrário a posição realista de Huss.

Portanto, dois grupos estavam contrários a Huss: os alemães e um setor tradicional da Igreja, constantes alvos das criticas do pregador da capela de Belém.

Em 1408, um setor tradicional da igreja se levantou contra ele e o bispo Shinko pediu para que ele parasse de pregar. Isto apenas fez com que a sua influência crescesse na Universidade.

No período do Grande Cisma sua posição neutra quanto à questão, fez com que ele tivesse o apoio do Rei de Boêmia, Venceslau, que apoiava o Papa pisano. Este Papa Alexandre V, apoiado pelo bispo de Praga, inimigo de Huss que até aí apoiava Gregório XII, publicou uma bula contra Wycliff e proibiu a pregação fora das catedrais, mosteiros ou Igrejas paroquiais, o que excluía a capela de Belém.

Ao defender algumas teses de Wycliff, Huss é excomungado, mas não para de pregar. Huss foi posteriormente convocado para, em Roma, dar contas de suas ações. Huss não vai e foi novamente excomungado, agora pelo Cardeal Collona em 1411, em nome do Papa. João XXIII sucedeu Alexandre V como Papa pisano, e publicou uma bula fornecendo indulgências para quem lutasse contra Ladislau de Nápoles, protetor de Gregório XII . Adotou Huss a atitude de atacar esta bula e ocorreram conflitos em Praga. O rei, que apoiava o Papa pisano, proibiu as criticas a venda das indulgências .

Posteriormente esta ordem foi revogada, devido a um acordo entre o Papa e Sigismundo, sucessor de Venceslau. Em 1412, Huss foi excomungado novamente por não obedecer à nova ordem de se apresentar ao Papa em Roma, sendo decretado o interdito a qualquer cidade que acolhesse Huss.

Dada esta ordem, Huss se retira para o interior da Boêmia, mas não para com suas pregações. Com os rumores sobre a realização de um concílio em Constança, Sigismundo resolveu fornecer um salvo-conduto à Huss, com o propósito de resolver sua questão. Quando chega ao Concílio, as autoridades tratam Huss como herege, prendendo-o. Sigismundo inicialmente protesta, mas posteriormente revoga sua decisão por não querer ser identificado com um herege. Huss tinha apenas uma opção: se retratar diante do Concílio pelas posições Wycliffianas que nunca defendeu.

Por ficar irredutível, sua morte é decretada em 06 de julho de 1415. Foi morto em praça pública sendo queimado, sem nenhuma palavra que negasse a sua fé.

E) Teologia

As origens da teologia de Huss estão nas influências decisivas dos teólogos Tchecos anteriores, como Mateus de Janov, e na teologia de John Wycliff.

Não obstante a influência deste último, John Huss apresentou uma teologia bem mais moderada que Wycliff. Suas maiores atribuições teológicas foram os seus posicionamentos apresentados em suas pregações. Huss defendia uma fé cristocêntrica, enfatizava a responsabilidade individual, acreditava no perdão dos pecados através de Cristo, somente liturgias, inserindo na capela de Belém uma liturgia nacional. Huss apresenta como característica básica, uma mistura de doutrinas evangélicas com doutrinas católicas romanas.

F) Os Hussitas

Após Huss ser queimado, os discípulos deste recolheram a terra que continha suas cinzas. Na Boêmia o concílio que o havia condenado foi considerado destituído de autoridade. Duas correntes constituíram os movimentos hussitas contrários a sua condenação no Concílio: um originário na Universidade de Praga, que era formado por seguidores de Huss que haviam tido contato direto ou indireto com suas exposições. O outro tinha origem nas camadas humildes interioranas, sendo dois dos principais: Taboritas e Horebitas.

O primeiro grupo, os Taboritas (em alusão ao monte Tabor) eram mais apocalípticos e radicais quanto a rejeição a todos os desvios do clero, bem como a pompa dos cultos e a vida secular. Isto provocava um choque destes, inclusive com relação aos hussitas de Praga, que mantiveram vestes sacerdotais e outros aparatos nos cultos.

Não obstante as divergências, os grupos contrários a Igreja oficial se uniram, através de um acordo denominado “quatro artigos”, que era constituído de quatro determinações comuns a serem respeitadas por estes grupos.

A primeira: era a liberdade para a pregação. A segunda: a administração do pão e do vinho, e não apenas do pão. A terceira: que o clero fosse privado das riquezas e a quarta: que os pecados públicos e maiores fossem castigados, particularmente a simonia.

O imperador da Boêmia, Sigismundo, que tinha se sujeitado ao Concílio de Constança, não aceitou os quatro artigos e obteve do Papa a declaração de cruzadas contra os hussitas. Suas tropas foram até Praga, mas foram derrotadas pelos Taboritas, comandadas por João Ziska.

Estes fatos, ocorridos em 1420, chamaram ainda mais a atenção do Papa e de Sigismundo, e em 1421, ambos prepararam um exército de cem mil homens, que também foram derrotados. Ziska perdeu seu único olho que tinha na batalha, mas continuou na luta, se refugiando entre os horebitas.

Com o advento do Concílio de Basiléia, foram realizadas tentativas de convencer os hussitas de comparecer, sob a alegação de erro no julgamento de Huss. Estes não aceitaram, enfrentaram mais uma cruzada, mas foram mais uma vez vitoriosos.

A partir deste momento, era inevitável uma tentativa de diálogo por parte da Igreja oficial. Esta firmou um acordo com os hussitas. Alguns destes, não concordando com o acordo, fundaram a Unitas Fratum, que chegou a ser muito numerosa na Boêmia e Morávia. Com o advento da Reforma Luterana, eles estabeleceram relações com os protestantes. Os austríacos passaram a perseguí-los e a organização foi praticamente destruída, sendo João Amós Comênio um representante do remanescente, que ainda lutava pela instauração da ordens, o que ocorreu com o remanescente da ordem, os chamados moravios.

G) Jerônimo Savonarola (1452-1498)

Sobre Jerônimo Savonarola, dado a sua proeminência pelo conflito direto com a autoridade papal e sua reforma moral, e não a elaboração teológica ou qualquer paralelo com Wycliff e Huss, bem como um legado transmitido através de um movimento que fosse importante na Reforma Protestante. Resumindo os esboços da biografia deste, inserindo nesta as diretrizes de seu pensamento.

Jerônimo Savonarola nasceu 1452, em Ferrara. Educado pelo avô, recebeu deste, princípios morais rígidos. Segundo o escritor Cerni um sermão ouvido em Forenza em 1474, o levou definitivamente a escolher o rumo que norteou sua vida por inteiro; entrou para o convento de São Domingo, onde recebeu sua formação religiosa. Desenvolveu grande erudição bíblica, como também grande capacidade oratória.

Pela dedicação de Savonarola, seus escritos foram enviados a Florença, mas seus sermões não agradaram tanto os florentinos. Indo a Bologna, tinha ali cargo de Mestre de Estudos. Um humanista chamado Pica de Mirandola, admirador de Savonarola, o indicou para Lourenço de Medicis. Começo a expor as Escrituras no Convento de São Marcos, suas conferências começaram a atrair multidões.

Convidado em 1491, para pregar em Santa Maria das Flores, sua pregação não agradou os principais da cidade, já que acusava abertamente o abuso dos impostos e a corrupção da cidade. Feito prior no Convento, Savonarola fez da vida ali no convento, um exemplo de santidade e serviço.

Com a morte de Lourenço, assume o governo da cidade, Pedro de Médicis, governando com grande tirania. Neste ínterim, Carlos VIII, rei da França, se preparava para invadir a cidade. Savonarola aponta Carlos VIII como enviado de Deus. Este tomou a cidade e destruiu Pedro de Médicis.

Após tomar a cidade de Florença, Carlos VIII tinha a intenção de impor condições por demais tirânicas, tal qual Pedro. Então Savonarola, a pedido dos habitantes, interveio, e as condições se tornaram favoráveis.

Muitos, neste período, desejavam o retorno de Médicis. No entanto, Carlos VIII havia tomado muitos territórios na Itália e para combatê-lo, foi formada a “Santa Aliança” entre o Papa Alexandre V, estados italianos, os monarcas espanhóis e alemães, sendo o Papa encarregado de tratar de Savonarola. Este, contanto, havia inserido na cidade de Florença uma reforma moral; excessos morais e hábitos pagãos foram totalmente eliminados.

Os livros, jóias, perucas e luxos foram queimados na cidade, com a intenção de eliminar a vaidade.

Savonarola estava em seu apogeu em Florença, mas a situação era instável, pois a situação econômica cada vez mais se complicava. Porém, os “milagres” de Savonarola sustentavam a situação provisoriamente. Após negar-se a submeter a “Santa Aliança”, Savonarola foi excomungado pelo Papa, bem como o ordenou cessar suas pregações.

Savonarola declarou inválida a excomunhão, mas parou momentaneamente de pregar. Quando retornou, um discurso contra a imoralidade da Igreja, teve como veículo a imprensa, além da voz do pré-reformador.

Alexandre V, tentou convencê-lo, oferecendo o cargo de Cardeal, que foi recusado. A partir deste momento, entra em declínio o período de Savonarola em Florença.

Com a interdição da cidade, por ordem do Papa, a situação econômica piorou ainda mais. Eclesiásticos se uniram aos comerciantes, o conselho da cidade se reuniu e Savonarola foi preso, torturado e interrogado por legados do Papa, passou por três julgamentos, sendo condenado nos três e sem qualquer confissão, a não ser que ele tivera a intenção de apelar a um Concílio Universal.

Dois de seus colaboradores também foram condenados, sendo estes três mortos enforcados e depois queimados, e suas cinzas jogadas no rio Arno. Assim morreu Savonarola.

H) Nasce um Cristianismo Forte

É pelo viver, e na verdade pelo morrer e ser condenado que alguém se torna teólogo, e não pela compreensão, leitura ou especulação (Martinho Lutero).

Mal sabia Leão X, quando estava se preparando para desfrutar de seu cargo, que seu papado seria o pára-raios de um movimento de reforma desencadeado por um jovem estudante aterrorizado por um raio em 1505.

A tempestade que instigou Martinho Lutero a tornar-se monge, era apenas um antegosto da tempestade que iria sacudir em seus fundamentos a Europa medieval-tardia, alterando de maneira permanente o cristianismo ocidental.

Entre muitos relâmpagos espalhados pelo horizonte do céu da Idade média tardia, haviam indicado a energia dessa tempestade eminente, alimentada pela atmosfera altamente carregada da vida, às vésperas da Reforma.

Agora, o caráter repentino e a velocidade de suas descargas iluminavam o amanhecer da reforma, semeadas pela resolução do problema de Lutero, ou seja, de sua ansiedade pessoal no tocante à salvação e de sua preocupação pastoral por seus paroquianos, as nuvens da crise apareceram subitamente sobre a Europa.

Para compreender o desenrolar dos eventos, antes e durante a Reforma, torna-se necessário distinguir claramente entre os dois sistemas de oposição à Igreja Católica, que, ainda que bem distintos um do outro, confundiram-se, todavia.

A Igreja Medieval estava perdendo a simpatia e a confiança, tanto dos príncipes e burgueses como da massa popular. O efeito deste declínio espiritual sobre aqueles, levou-os a repelir a interferência do Papa nos negócios particulares e nos Estados, e a recusar também a pretensão papal do senhorio e do direito de cobrar impostos nos seus respectivos territórios.

Deixaram igualmente de respeitar a autoridade e a propriedade da Igreja. Esta subordinação por parte dos príncipes e soberanos expressara-se aqui e acolá durante a idade média, mas foi somente no século XVI, quando o Papa começou a aliar-se abertamente com seu antagonista, o imperador, na cruzada contra a heresia, que os príncipes começaram a pensar seriamente num possível rompimento com Roma e na criação de igrejas nacionais.

Nunca teriam tomado tal atitude, se não fosse à crescente independência dos seus súditos. A sublevação dos príncipes foi essencialmente uma revolta política contra o imperialismo eclesiástico de que o imperador Frederico II foi o precursor.

Por outro lado, a revolta do povo contra a Igreja foi essencialmente um movimento religioso. A oposição era, não à pretensão, senão à importância da Igreja. Anelava uma igreja espiritual e corajosa que protegesse dos seus senhorios. O povo não queria menos religião; queria mais religião e exigia que esta fosse mais espiritual. Não se opôs ao Papa, porque ele fosse o cabeça da Igreja Universal, mas porque, ao invés de um guia espiritual que deveria ser, não era, senão um príncipe rico e mundano.

O conflito na Europa durante o século XIV, e daí em diante, foi tríplice. Os príncipes queriam arregimentar o povo contra o Papa, sem, todavia, perder seu senhorio sobre aqueles, que queriam a independência do papado, mas não a independência dos seus súditos.

O Papa procurava subjugar os príncipes para que estes por sua vez, conservassem o povo fiel à igreja.

E o povo almejava libertação política e econômica da opressão dos príncipes e libertação espiritual do Papa.

Por causa deste tríplice conflito político, eclesiástico e espiritual, que se prolongou dos séculos XIV, XV e XVI, a Reforma tomou três rumos. 1) Houve a reforma chefiada pelos príncipes que visavam a cessação do dinheiro canalizado para Roma e o monopólio da autoridade e da propriedade da Igreja nos respectivos territórios. 2) Houve a reforma por parte do povo que almejava fazer do cristianismo uma força contra a iniqüidade e as injustiças praticadas principalmente pelos ricos e poderosos. 3) E, finalmente houve a reforma dentro da própria Igreja, com o objetivo de livrá-la de certos abusos e fazê-la voltar à simplicidade primitiva.

A reforma chefiada pelos príncipes tentou substituir o Papa pelo príncipe, que seria a cabeça da Igreja nacional e o ditador da consciência dos seus súditos.

Os príncipes nunca sonharam em dar liberdade religiosa e civil aos súditos, mas sim em formar Igrejas nacionais sujeitas ao trono. À proporção que a Boêmia, O norte da Alemanha, a Dinamarca, a Noruega, a Inglaterra, e a Escócia se iam desligando de Roma, os príncipes se esforçavam por controlar tais movimentos. Tantas quantas reformas houvesse míster e tantas quantas fossem permissíveis fazer-se, com o fim de quebrar o elo que ligava a Igreja de Roma; contariam com a resistência dos príncipes.

A Igreja Anglicana é um dos exemplos mais frisantes deste processo. É ainda, ritualista e clerical, mas sua organização se centraliza na coroa e no Lord Chanceller.

A reforma do povo era mais espiritual e ainda que de êxito, menos espetacular e mais lenta, era mais bíblica e sincera do que a dos príncipes, como nos movimentos evangélicos e ainda dos anabatistas e outros dissidentes que substituíram a autoridade do Papa pela autoridade da Bíblia. O Calvinismo posto que não se submetesse aos príncipes, na sua origem e nos seus primeiros passos históricos, contudo, não soube desligar-se do Estado.

Quanto à terceira fase da Reforma, a que se operaram dentro da própria Igreja Católica, os dois exemplos mais frisantes dos tempos medievais, foram a dos franciscanos e a efêmera e superficial revolta de Savonarola; e nos tempos da Reforma, os movimentos luteranos, zwuinglianos, calvinistas e anglicanos.

I) A Reforma Luterana

Martinho Lutero é um dos poucos homens de quem se pode dizer que alterou profundamente a história do mundo, e, seja qual for a opinião quanto a permanência e valor de sua obra reformadora, foi, sem dúvida, a figura central da Reforma. Não possuía a cultura de Erasmo, a lógica de Calvino, a erudição de Melanchthon, nem a diplomacia de Cranmer. Não era um homem culto, no sentido mais alto da palavra. As vezes era rude, e a sua linguagem ofensiva e repugnante. Não era o que se pode chamar um homem humilde e modesto. Antes, era arrogante, orgulhoso e irritante.

Dele diz um autor moderno:

“Nenhum dos seus retratos o representa como homem de sentimentos refinados, mas rude e um tanto sensual, assim como Sócrates parecia aos atenienses” .

Porém, com estes defeitos e embaraços, possuía exatamente as qualidades e dons que o equipavam para chefiar um grande movimento popular com firmeza, audácia, convicções profundas e prontidão de ação: dedicação, bondade, generosidade e coragem; compaixão para com o povo, eloqüência, energia hercúlea, capacidade excepcional para o trabalho; sorriso e palavras agradáveis e sempre pronto para qualquer emergência. Tais características se confundem ou se mesclam em Lutero. Se ele tivesse sido mais culto, mais cavalheiro, mais gentil, mais escrupuloso, mais ascético, mais modesto, teria recuado diante de sua tarefa; teria perdido a elasticidade mental, ter-se-ia desanimado. Era como que um Mirabeau convertido. Regozijava-se no furor da batalha, personificava as idéias revolucionárias. Contudo, era homem ponderado e equilibrado nas ações.

Lutero não era erudito esmerado, nem organizador sólido, nem político fino. Movia os homens pela força da sua profunda e sincera experiência religiosa, pela sua fé inabalável em Deus e pela relação direta e imediata com o salvador, que lhe outorgou uma salvação e não deixou lugar a elaborada hierarquia e os sacramentos do Catolicismo Medieval.

Ele falou aos patrícios como sendo um deles e na sua própria linguagem.

“Encarnava de tal modo, em todas as suas virtudes e limitações, o espírito de sua raça, que, até hoje, é com muita dificuldade que um francês ou italiano, ou mesmo os anglo-saxônicos o compreendem e sabem explicar a profunda admiração com que um protestante alemão pronuncia seu nome. Mas nem mesmo os seus inimigos podem negar-lhe o lugar único que ele ocupa na história da Igreja.

Foi a preponderante grandeza de sua mente e de sua maravilhosa versatilidade que fez de Lutero o homem de sua época e de seu povo, e pode-se assegurar, que nunca houve um alemão que compreendesse tão intuitivamente o seu povo, e que, por sua vez, tenha sido compreendido tão perfeitamente por ele, como este monge de Wittemberg. “Os coração e a mentes dos alemães estavam na sua mão, como a leia na do músico”.

Lutero era o produto das condições econômicas, sociais, políticas, éticas e religiosas que prevaleceram na Saxônia nos últimos anos do século XV e nos primeiros anos do século XVI. Como dizia Erasmo, “o ovo estava posto, Lutero só tinha que chocá-lo e fazer sair filhotes”.

Anos depois o sábio de Rotherdam explicou que o ovo era de galinha, mas dele saiu um galo de briga. Noutro sentido a forte personalidade de Lutero deu forma a direção ao grande movimento político-religioso que tomou seu nome.

Lutero foi influenciado por todos os movimentos reformadores da Idade Média, e, até certo ponto, incorporou no dele os ideais e propósitos daqueles, e este fato explica o motivo de não haver ele alcançado o seu ideal supremo, isto é, a restauração do cristianismo em sua primitiva pureza e simplicidade.

O movimento político-eclesiástico conhecido como Luteranismo, incorporou em si mesmo muitos elementos contraditórios. Não conseguiu implantar no povo o alto padrão de vida cristã que os seus defensores almejavam; tornou-se sem demora, tão intolerante quanto a Igreja Católica que pretendia suplantar, e os princípios inevitavelmente provocaram as desastrosas guerras religiosas que destacaram a Europa desde 1545 até 1648.

Não foi por acaso que o chefe da reforma alemã veio da Saxônia, pois, como já notamos as condições econômicas e sociais, provocadas principalmente pela exploração das minas, tinham abalado o equilíbrio das classes sociais e operosas, e criado forte sentimento pela reforma; ao mesmo tempo a riqueza da província, tinha induzido as autoridades eclesiásticas à prática de toda qualidade de extorsão.

Também não é motivo de surpresa o fato de o líder do novo movimento ter sido filho de camponês. Os camponeses saxônicos e especialmente os mineiros tinham se tornado cônscios das injustiças e agressões contra eles praticadas.

A circunstância de haver o pai camponês ambicionado e planejado a educação superior para seu filho, prova suficientemente que ele e sua classe se tinham destacado da massa serviçal.

Não foi igualmente por acidente que Frederico, o eleitor saxônico, cuja fortuna e tino político o haviam elevado à chefia da nobreza germânica e tornado acessível à coroa imperial, e que também tinha fundado a nova Universidade de Wittenberg, onde o filho do camponês era figura importante, veio a ser o chefe político da revolta contra Roma.

Se for lembrado que os interesses em jogo eram tantos políticos e econômicos quanto religiosos, compreender-se à melhor porque Lutero se contentou com uma meia Reforma, distanciando-se do ideal de restaurar o cristianismo primitivo.

Outra vez, que a origem, a simpatia e a simplicidade camponesa de Lutero, seu modo direto e rude de falar, seu patrocínio pela liberdade e igualdade; suas relações íntimas com os príncipes saxônicos, a força do intelecto, suas emoções e vontade, seu zelo e dedicação, sua consistente oposição à opressão e exploração estrangeira, sua aparente disposição nos primeiros tempos da Reforma de obedecer ao ensino claro da Bíblia, sem acréscimos humanos, tudo combinava para unir todas as classes germânicas ao seu lado e fazê-lo o herói e campeão da revolução.

As diferentes classes; sem dúvida, lhe prestaram apoio por motivos diversos, mas o fato é que lhe deram o braço forte que lhe fez triunfar a mais importante revolução desde o nascimento do Redentor.

a) Concepções Religiosas e Filosóficas

O cristianismo prega o amor a Deus acima de todas as coisas, depois ao próximo como a si próprio.

A salvação espiritual é oferecida gratuitamente a quem deseja aceitá-la buscando a Deus na figura do seu filho Jesus e que a busca de Deus é uma experiência transformadora da natureza humana.

Podemos considerar três períodos que definem a concepção e filosofia do cristianismo.

1) Cristianismo primitivo: caracterizado por uma heterogeneidade de concepções;

2) Patrística: ocorrida no período entre os II e VIII séculos, com a transformação da nova religião em uma igreja oficial do Império Romano por Constantino e a formação de um clero institucionalizado, cujo doutrinário expoente foi Santo Agostinho;

3) Escolástica: a partir do século VIII e cujo expoente foi são Tomás de Aquino, que afirmou que fé e razão podem ser conciliadas, sendo a razão um meio de entender a fé.

A partir do protestantismo, é necessário fazer uma diferenciação entre a história e a concepção da Igreja Católica Romana e das diversas Igrejas Protestantes que se formaram.

b) O Cristianismo e a queda de Roma

Costuma-se acreditar que, na Europa Ocidental, o esfaleçamento do Império Romano trouxe retrocessos em termos econômicos, de conhecimentos, e comunicações. Uma questão sociológica muito debatida ao longo da história é a questão de saber se o cristianismo contribuiu ou não para a queda do Império.

Esta pergunta, já recebeu respostas diferentes, por exemplo:

- Santo Agostinho, pensador e religioso cristão do século V, refutava esta conexão;

- Edward Gibbson e David Hume, propagadores da ideologia do Iluminismo no século XVIII, foram de opinião contrária. Considerando que o cristianismo não tinha dado sua contribuição.

- Henri Pirenne, influente historiador do inicio do século XX, afirmava que a queda oficial do império trouxe mudanças significativas e que o verdadeiro retrocesso teria ocorrido apenas no século VII.

O período histórico que se seguiu à queda do Império é chamado de Idade média, nele o cristianismo permanece com o maior pólo de influência social dos povos europeus.

c) Tabela Cronológica a ser destacada



 C. 6 a.C – Nascimento de Jesus em Belém.

 C.33 d.c – Jesus é crucificado pelos romanos pouco depois de ter chegado a Jerusalém com os seus discípulos.

 70 – Destruição do segundo Templo de Jerusalém, mais de um milhão de mortos.

 135 – Revolta do “Messias” Bar Cosiba termina com a derrota dos judeus. Os judeus são expulsos de Jerusalém.

 312 – Vitória de Constantino sobre Maxêncio na Batalha de Ponte Milvio torna-se Imperador Constantino I. O novo imperador de Roma é o primeiro a ser tolerante para com os cristãos, um verdadeiro embuste para os cristãos.

 325 – Primeiro Concílio de Nicéia, sob o presídio de Constantino I. A religião cristã é agora um pólo de influência política dentro do Império Romano.

 380 – Teodósio I declara o cristianismo a religião oficial do Império Romano.

 380 – Jerônimo traduz a Bíblia para o Latim, um passo importante na expansão da religião cristã no Império Romano. O “cristianismo triunfa em toda a Europa”.

 476 – Queda de Roma, deposição do último imperador romano pelo bárbaro germânico Odoacer. Inicio da Idade Média.

 1504 – Primeiro grande Cisma do cristianismo, com a divisão entre as igrejas Católica e Ortodoxa.

 1517 – Martinho Lutero afixa as suas 95 teses na porta da Igreja de Wittemberg. A Reforma Protestante está em ascendente na Europa. A Idade Média chega ao fim.


III) Martinho Lutero (1483 – 1546)

Martinho Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483 em Eisleben, pequena cidade da Turíngia, condado de Mansfeld, Saxônia Prussiana, de piedosos pais camponeses, porém mineiros, justamente no tempo em que Colombo estava trabalhando para conseguir os recursos para efetuar a viagem que resultaria no descobrimento do novo mundo e em que os humanistas se esforçavam para redescobrir o indivíduo, perdido nos entulhos da Idade média. João Lutero, o pai, que mais enérgico e ambicioso do que os camponeses em geral, seis meses depois do nascimento de Martinho, mudou-se para Mansfeld, vila mineira pertencente ao mesmo condado, aonde chegou a ocupar posição de honra, sendo desde 1941.

Repetidamente eleito assessor, por ter sido um dos quatro burgueses que serviram na administração municipal. Não era iletrado. Amava os livros e a maior ambição da vida era ver o seu primogênito nas leis jurídicas.

Os verdes anos do reformador escoaram-se entre os obres de uma austera disciplina paterna e os sofrimentos característicos da pobreza.

Seus pais encontraram mil dificuldades em Mansfeld, antes de alcançarem a independência econômica.

“Meu pai” dizia Lutero, referindo-se a esses dias dolorosos, era pobre lenhador (mineiro), e minha mãe carregava lenha nas costas, afim de nos aquecer; a vida dos meus pais era a de labor pesado e de privações penosas. Os filhos partilhavam destas privações. Também foram sujeitos à mais severa disciplina em casa e na escola elementar. “Minha mãe” dizia ele, “por causa de uma avelã, castigou-me até correr o sangue”. Certa vez, o pai castigou-o tão severamente que ele fugiu de casa de onde se ausentou por vários dias.

Por outro lado, Lutero se refere ao pai como homem de disposição alegre e genial. Sem dúvida os pais julgavam que faziam bem assim procedendo. Mesmo a disciplina da casa de Lutero não era mais severa do que a dos outros lares alemães da época.

O sistema educacional que Lutero encontrou como jovem era certamente eficiente, embora ele absolutamente não o considerasse edificante. O conhecimento era literalmente forçado aos alunos.

Lutero começou seus estudos por volta dos sete anos de idade. As técnicas pelas quais foi forçado a aprender latim como base para estudos posteriores incluíam a coerção e a ridicularização. Alunos despreparados eram forçados a exibir a imagem de um jumento e eram tratados por jumentos. Um aluno que falasse alemão em vez de latim em aula apanhava com uma vara. Até mesmo a música, a matéria favorita de Lutero, era ensinada de forma utilitária com o fim de treinar meninos para os coros da Igreja.

A educação das crianças, era na melhor das hipóteses, obtusa e, na pior delas, tinha algo bárbaro. Posteriormente, Lutero lembrou o fato de que numa certa manhã levou quinze varadas por não dominar as tabelas da gramática latina.

E educação de Lutero se dividiu em três estágios antes de entrar para o convento. Dos seis ou sete anos aos quatorze, cursou as aulas elementares na escola de Mansfeld; dos quinze aos dezessete, fez o curso de secundário nas escolas de Magdeburgo e Eisenach; dos dezoito aos vinte e dois seguiu os cursos superiores na Universidade de Erfurt, da qual, recebeu o grau de Bacharel em Artes em 1502 e o de Mestre em Artes em 1505.

Durante os estudos de Magdeburgo e Eisenach, sustentou-se o jovem Martinho por si mesmo, tirando o sustento das moedas que receberia, cantando de porta em porta. Foi neste último lugar que Úrsula Costa, filha do burgo-mestre de Esfeld e esposa de Kuntzon Conrado Cotta, honrado comerciante, atraída pela voz harmoniosa e doce do esmoleiro, deu-lhe boa acolhida e repartiu com ele o seu pão.

Neste lar piedoso, Lutero sentiu o primeiro influxo da cultura e das boas maneiras. Foi neste tempo que gozou da intimidade dos frades franciscanos que moravam no Mosteiro de Wartburgo, perto de Eisenach, e que, talvez o impressionaram com a vida monástica.

Perto do final de seus estudos, na escola de Eisenach, Lutero teve a felicidade de contar com o incentivo de alguns professores que reconheceram suas aptidões. Eles o introduziram aos clássicos latinos e à história, o que lhe provocou uma impressão que duraria por toda a sua vida e lhe deu grande prazer. Num período posterior de sua vida, Lutero traduziu as fábulas de Esopo para o alemão, e insistiu que todos deveriam estudar os clássicos e a história.

Mas, nem nos dias estudantinos da escola de Eisenach, nem nos da Universidade de Erfurt, sentiu Martinho qualquer impulso na direção de uma Reforma Eclesiástica. O espírito da universidade era francamente humanista e os professores não hesitavam em criticar os abusos reinantes da Igreja Católica, mas ninguém pensava num rompimento com ela.

Antes de ocupar a cadeira na Universidade, os docentes tinham de se comprometer a não ensinar coisa alguma contrária ás doutrinas da Igreja Romana.

Entre as universidades e a Igreja existia estreita relação. Havia, no entanto, no corpo docente, homens pios, profundamente influenciados pelo misticismo alemão e que almejavam uma vida mais intima com Deus.

Além do curso completo de filosofia da Universidade de Erfurt, Lutero fez estudos especiais dos clássicos e das ciências naturais. Seus colegas de estudo o conheceram como rapaz alegre e apaixonado pela música.

Sua inquietação espiritual, porém, desvio-lhe o pensamento das especulações abstratas, para os problemas práticos e religiosos. Conscientes de suas falhas e das exigências austeras de Deus, ainda que não culpado de pecados específicos e graves, chegou às vezes quase ao desespero; “Como posso eu alcançar um coração limpo?” era a pergunta cuja resposta Lutero buscava em vão.

Durante o verão de 1505 iniciou Lutero os estudos jurídicos na Universidade de Erfurt. A inquietação religiosa lhe incomodava cada vez mais, chegando ao ponto de ficar exausto físico e mentalmente, procurando com todos os esforços alcançar a paz da alma, no entanto, eram lhes frustrados.

Certos eventos pareciam-lhe ter aumentado a inquietação espiritual e, por fim induzindo-o a internar-se num convento.

Um criterioso historiador luterano, chamado Qualben “(Historia do Cristianismo, pag 211)” enumera os seguintes fatos que o impulsionaram a esse gesto:

a) O encontro casual da Bíblia na biblioteca da universidade, a qual lhe revelou, talvez, as discrepâncias entre o ensino do Novo Testamento e as práticas da Igreja contemporânea.

b) Um acidente, nos primeiros dias estudantinos em Erfurt, pelo qual teve secionado uma artéria do pé e se viu, duas vezes em vinte e quatro horas, em grave perigo de vida. Este acontecimento despertou nele pensamentos a respeito da morte.

c) Pensamentos semelhantes ocorreram-lhe durante uma breve doença mais tarde.

d) Um amigo, Jerônimo Bruntz, grandemente o impressionou.

e) Uma peste, que grassava na cidade de Erfurt e vizinhança, levou-o a pensar na vida futura e no destino do homem.

f) O estudo de direito não lhe despertou nenhum interesse e dizem que ele desafiava: “Mostrai-me um advogado que ame a verdade”.

A descoberta da Bíblia por Lutero é tão interessante que o historiador Lessa fez a seguinte descrição (Lutero pag 28) “Surgiu no ano de 1503 e nele se acentuou ainda mais a sua índole religiosa. Caminhava para os vinte anos de idade. Não faltavas as cerimônias e práticas da Igreja e era fervoroso adorador da Virgem. Nos momentos disponíveis visitava assiduamente a biblioteca da universidade na ânsia de conhecimentos. Em certo dia fez uma descoberta singular. Tinha diante de seus olhos um exemplar da Vulgata. Verdadeiramente maravilhado com a descoberta, abriu o livro e suas vistas caíram sobre a história do menino Samuel. O cântico de Ana e a vocação religiosa do menino muito o comoveram. Até aí só conhecia da Bíblia os excertos que vinham nos livros de devoção, gotas apenas do rico manancial agora encontrado”.

Era um novo mundo que se lhe descortina. As visitas à biblioteca se intensificaram ainda mais e o livro sagrado ia-se tornando cada vez mais interessante.

Usigem, um dos professores da Universidade, não apreciava a atitude de Lutero, ao vê-lo absorvido nos estudos daquele livro. Lutero dizia: Usigem que era meu tutor em Erfurt, quando me via ler a Bíblia com tal interesse e devoção, costumava observar-me; “Irmão Lutero, que há na Bíblia? Mais proveito haveria em consultar obras dos antigos doutores. Sugaram eles o mel da verdade. É a Bíblia a causa de todas as turbações na Igreja.

Ao voltar de férias em 02 de julho de 1505, foi surpreendido por uma grande tempestade, um raio caiu perto dele e partiu uma árvore com um grande estrondo, parecendo-lhe cair aos pés. Caindo no chão, cheio de temor, exclamou “Sant’ana, valei-me; far-me-ei monge, se me for poupada a vida”. Foi neste momento de desespero que Lutero fez essa promessa.

Em 17 de julho de 1505, tornou-se monge agostiniano, cumprindo assim o seu voto, com pouco mais de vinte anos de idade, disse adeus ao mundo e internou-se no convento dos agostinianos, na mesma cidade de Erfurt, contrariando seus pais e a própria circunstância e fez votos exigidos pela referida ordem.

Apesar de ser sacerdote, Lutero vivia em desespero, pois as boas novas que tanto defendia, eram insuficientes para salvá-lo. Tinha um grande conflito em seu coração, pois era atormentado pela idéia de salvação de sua alma. O tempo passava e ele não conseguia respostas à sua pergunta.

Assim expressou: “o pecado me levava sempre ao desespero, e cada vez me afundava mais nele, pois as boas obras e as penitências não podiam aliviar minha consciência acusada pelo próprio pecado. Somente Deus pode me salvar por Jesus Cristo, seu filho.”

Assim ele se fez monge com o intuito de alcançar a paz com Deus, que tanto desejava. Custou-lhe, porém, anos de sofrimento para descobrir que a salvação não é questão de lugar, mas sim de atitude.

O primeiro conceito que Lutero formou de Cristo é que fora um legislador, um segundo Moisés, com a diferença que via Cristo um legislador mais rigoroso.

Melanchthon um grande amigo de Lutero, disse que o motivo que o induziu a entrar na vida monástica, foi que: “quando pensava na ira de Deus ou nos admiráveis exemplos do castigo divino se apoderavam dele um terror tão violento que quase perdia a vida.”

Lutero confessava que tinha um espírito quebrantado e estava triste, “cansei meu corpo à força de vigílias e de jejuns, e esperava desta maneira satisfazer a lei e livrar minha consciência da compunção da culpa, se não tivesse me fortalecido com a consolação que achava no Evangelho, não podia ter resistido por mais um dia.”

Um monge ancião lhe aconselhou que fixasse sua mente na frase do credo apostólico “creio no perdão dos pecados”, e numa passagem de São Bernardo na qual se faz referência à doutrina de Paulo, de que o homem se justifica pela fé.

Em 1502, Frederico o sábio, príncipe da Saxônia fundou a Universidade de Wittemberg. Por ser uma cidade pequena, propôs convidar professores capazes para atrair novos alunos e se tornar referencial em ensino. Foi neste contexto que o jovem Lutero foi indicado para livre docência na Universidade de Wittemberg.

O seu contato com João Staupitz, o erudito o piedoso vigário geral de sua ordem, que reconhecia em Lutero uma erudição e inteligência incomuns; foi designado como professor ocupando ali a cadeira de teologia.

Continuou também seus estudos, instruindo-se principalmente em línguas gregas e hebraicas. A 09 de março de 1509 obteve o grau de Baccalaureus Biblicus (Bacharel bíblico).

O convívio com Staupitz desviou o pensamento do jovem frade da severidade de Deus para o amor divino, “Se queres converte-te, dizia-lhe o prior, não te entregues as todas as macerações e a todos estes martírios. Ama a quem primeiro te amou”.

Pouco a pouco, Lutero foi compreendendo que o amor divino que levara Deus a sacrificar seu filho, para que os pecadores alcançassem remissão, e que a fé salvadora não era um mero assentimento intelectual de Cristo, mas a submissão a vontade divina. Anos depois Lutero dizia que os conselhos do sábio vigário foram-lhe como “a voz dos céus”.

Foi neste tempo que Lutero começou a estudar a sério a Bíblia, dedicando-se profundamente aos estudos dos profetas e ás epístolas dos apóstolos.

Na epístola de Paulo aos Romanos, ele descobriu a frase, “O justo viverá da fé Rm 1.11. Estas palavras nunca cessaram de retinir nos seus ouvidos.

A) Viagem a Roma

Em 1510, Lutero foi a Roma para tratar de questões da Ordem Agostiniana. Crédulo, esperava encontrar em Roma padres e bispos comprometidos com a fé apostólica, pois em seu pensamento, por Roma ser a sede da Igreja e trono de Pedro, a devoção seria criteriosa, mais dedicação e fidelidade ao evangelho de Cristo.

Ao chegar em Roma, Lutero andou cheio de fervor, piedoso, de igreja em igreja; as palavras de Paulo “O justo viverá da fé”, se gravaram em definitivo em seu pensamento.

Em Roma visitou todos os lugares sagrados, foi um padre exemplar: rezou missa, subiu escadarias de joelhos, declarou santidade à cidade de Roma, entre outras práticas religiosas.

No entanto, sua decepção foi muito grande, quando alguns padres romanos, zombaram de sua postura, pois viviam na luxúria. Os mais altos dignatários da Igreja se envolviam em corrupções, imoralidades, zombarias, desrespeito ao clero e da cúpula da Igreja para com as coisas sagradas, marcaram nele uma profunda decepção.

Lutero retornou a Wittemberg revoltado com que viu em Roma. No discurso de colação de grau reafirmou sua fidelidade irrestrita às Escrituras Sagradas. Em outubro de 1512, recebia então das mãos do decano da faculdade de teologia, o grau de Doutor em Teologia.

Assumiu a seguir, a cadeira de Lectura in Bíblia lecionando, à base das línguas originais, o hebraico do Antigo Testamento e o grego do Novo Testamento, incorporando conquistas do humanismo na ciência da interpretação de textos.

Ainda em 1512, foi eleito sub-prior do convento de Wittemberg. Após conviver com a situação inquietante e pecaminosa da vida humana, em 1512 ao preparar sua aula da carta de Paulo aos Romanos, a luz do Espírito Santo rompeu definitivamente as densas trevas espirituais; evidenciando-lhe o verdadeiro significado de Rm 1.17 “Porque nele se descobre a justiça de Deus, de em fé, como está escrito: O justo viverá da fé”. Quando Lutero analisou no grego este versículo, compreendeu que o justo não vive porque tem fé, mas porque a fidelidade de Deus dura para sempre, não é a nossa fidelidade, mas a fidelidade de Deus que dura para sempre e nos garante a salvação.

Para Lutero parecia muito claro ao compreender o verdadeiro significado de Romanos 1.17 e isso foi decisivo em sua vida. Pois seus pecados, angústias, sofrimentos, haviam caído sobre os ombros de Cristo na cruz; Cristo fizera o que ao pecador teria sido impossível fazer com suas penitências e méritos pessoais.

Após este fato, as suas preleções eram tão concorridas que à elas acorriam estudantes de todas as partes e países vizinhos. Os professores assistentes também aumentavam.

O reitor da Universidade chegou a declarar, como que de antevisão: “Este frade derrotará todos os doutores, introduzirá uma nova doutrina e reformará toda a igreja; pois ele se funde sobre a palavra de Cristo, e ninguém no mundo pode combater e nem destruir esta Palavra” . Ocupando púlpito, a capela logo não mais podia comportar os assistentes. O senado convidou-o então a ocupar a igreja paroquial da cidade.

Para Lutero as boas obras não são senão o fruto da fé, um produto espontâneo e necessário. Para ele, esta explicação era a chave que abria toda a Escritura. Seu evangelho predileto era o de João e nos escritos de Paulo ele achou um protesto contra a teologia judaizante e a base da salvação pela fé, em oposição ao sistema legalista.

As epístolas aos Romanos, e aos Gálatas eram suas constantes companheiras. Gostava de chamar a Epístola aos Gálatas, de sua esposa, sua Catarina Von Bora.

B) As Preleções de Lutero

Como professor da Universidade de Wittenberg, cabia a Lutero fazer preleções sobre os livros da Bíblia. No decorrer dos anos entre 1513-1515 as preleções estudavam sobre Salmos; de 1515-1516 sobre Romanos, de 1516-1517 sobre Gálatas, e de 1517-1518 sobre Hebreus.

Em 1515 foi eleito vigário distrital para os conventos de Meissen e da Turíngia, num total de dez mosteiros. Posteriormente incluíram na lista o convento de Eisleben, sua cidade natal.

Ainda em 1515 o conselho municipal de Wittenberg, pediu-lhe que auxiliasse, na catedral, tanto na pregação, como no confessionário, auxiliando o padre Simão Heisn, que se achava enfermo, tornou-se tão popular que o povo exigia dele um sermão por dia.

Qualben, historiador Luterano, dá as seguintes razões dessa popularidade:

a) Foi Lutero o primeiro professor alemão que usou a língua materna para explicar os termos teológicos;

b) As preleções baseavam-se nos textos hebraicos e gregos e não na teologia escolástica tradicional;

c) Seu apelo constante à Bíblia dava aos seus sermões e preleções originalidade e vigor.

d) Ele falava na linguagem do povo;

e) Mas a principal explicação do seu poder e influência se achava na sua fé heróica e no fato de que ele dava ao povo o “pão da vida”, ao invés de palha seca da filosofia e tradição.

O mesmo diz o historiador francês Merle D’Aubigné: As preleções de Lutero, dispostas assim, pouco se pareciam com o que se tinha ouvido até então. Não era um relatório eloqüente ou um escolástico pedante que falava; era um cristão que havia experimentado o poder das verdades reveladas, que as extraia da Bíblia, as tirava do tesouro do seu coração, e as apresentava cheia de vida a seu auditório assombrado. Não era ensino de homem, era um ensino de Deus .

Quatro fatos influenciaram o desenvolvimento teológico de Lutero durante os anos de 1513-1517:

a) A teologia de Occam (1270-1347), que o levou a construir a sua fé sobre fatos positivos de revelação e a descrever da razão humana, ainda que a doutrina da predestinação absoluta ensinada por este teólogo medieval o confundisse.

b) Os escritos de Agostinho,

c) As epístolas de Paulo

d) O misticismo alemão.

Os escritos de Agostinho e Paulo ajudaram-no a compreender melhor a doutrina bíblica do pecado, a justiça da lei e a justiça de Deus.

Lutero estava consciente de que os humanistas não tinham compreensão clara da doutrina paulina da salvação. Envolvendo seu próprio credo, conforme sua própria experiência, ele descobriu a experiência de Paulo no tocante a doutrina da salvação.

C) Resumo das Convicções Religiosas de Lutero em 1517

Lutero, por suas próprias experiências. Fora levado, passo-a-passo, a aceitar os princípios básicos do cristianismo.

a) O homem é justificado ou salvo pela fé em Cristo, sem mérito de boas obras. A justificação é um ato de Deus, seguindo a conversão, enquanto ao ver da Igreja Católica é ela um processo gradual; baseava-se na fé e nas boas obras.

b) Pela fé em Cristo cada crente tem acesso direto a Deus. Comunhão pessoal com Deus e perdão dos pecados não dependem da meditação do sacerdote, mas da fé em Cristo somente. Por isso cada crente é seu próprio sacerdote.

c) A Bíblia é a autoridade em matéria de fé e prática. A tradição tem valor somente quando se baseia nas Escrituras.

d) Deus manifesta sua presença atual e plena por intermédio do Espírito Santo. A Bíblia não pode ser compreendida pela especulação humana, mas é preciso, com a iluminação e auxílio do Espírito Santo, interpretar o texto de acordo com as leis da linguagem.

e) A essência de Deus é amor. A religião não se baseia num contrato legal entre Deus para com o pecador. Esta Graça é livre para todos e pode ser aceita e gozada pela fé. Por isso não há tal coisa como a predestinação absoluta.

f) É privilégio bendito de cada crente ter plena certeza da sua salvação pessoal em Cristo.

Ainda em 1517, Lutero nem sequer sonhava com o rompimento com Roma. Ele chamava os boêmios evangélicos, que tinham rompido com a Igreja hierárquica, de “miseráveis hereges”. Ainda cria na origem e no direito divino do papado, no episcopado, no sacerdócio e na infabilidade da Igreja Católica. Estava cheio de idéias reformadoras, mas até este tempo, atacava somente os abusos da Igreja.

D) As Teses de Lutero

Em abril de 1517 publicou 151 teses sobre a justificação. Em setembro deste mesmo ano publicou 97 teses contra a teologia escolástica, com o fim de melhorar o curo e o método de estudo na Universidade de Wittenberg.

A Reforma Luterana, porém, data de 31 de outubro de 1517, quando Lutero pregou na porta da Igreja as suas 95 teses contra a venda de indulgências promovidas pelo Papa Leão X e o arcebispo Alberto de Mongúcia através da Ordem dos Dominicanos.

Sua intenção era provocar um debate público, uma discussão acadêmica, de acordo com a praxe da época.

Quando pregou o pergaminho à porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com as 95 teses em latim para serem debatidas entre os acadêmicos, não desejava desencadear um movimento na história da Igreja.

Era o pároco que, com preocupação, via como as almas dos fiéis eram desnorteadas por um grande escândalo descaradamente apregoado em nome da “Santa Igreja”, a venda do perdão de Deus, com o se fosse mercadoria, por meio de cartas de indulgências, cujo lucro se destinava ao término da Basílica de São Pedro e às cruzadas com os turcos. Seu principal proclamador era o dominicano Tetzel.

O efeito destas teses foi tão inesperado, que elas não ficaram entre os letrados; traduzidas ao alemão, em poucas semanas se espalharam por toda a Alemanha e outras partes da Europa, chegando ao conhecimento do povo em geral.

AS 95 TESES DE LUTERO

1. Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: arrependei-vos etc., afirmava que toda a vida dos fiéis deve ser um ato de arrependimento;

2. Essa declaração não pode ser entendida como sacramento da penitência, isto é, a confissão e absolvição que é administrado pelo sacerdócio;

3. Contudo, não pretende falar unicamente de arrependimento interior, pelo contrário, o arrependimento interior é vão se não produz externamente diferentes espécies de mortificação da carne.

4. Assim, permanece a penitência enquanto permanece o ódio de si, isto é, verdadeira penitência interior, a saber, o caminho reto para entrar no reino dos céus.

5. O Papa não tem o desejo e nem o poder de perdoar quaisquer penas, exceto aquele que ele impôs por sua própria vontade, ou segundo a vontade dos cânones, que são os estatutos papais.

6. O Papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por Deus; ou certamente, perdoando os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações a culpa permaneceria.

7. Deus não perdoa a culpa de ninguém, sem sujeitá-lo à humilhação sob todos os aspectos perante o sacerdote, vigário de Deus.

8. Os cânones da penitência são impostos unicamente sobre os vivos e nada deveria ser imposto aos mortos segundo eles.

9. Por isto o Espírito Santo nos beneficia através do Papa, mas sempre faz exceção de seus decretos no caso da iminência da morte e da necessidade.

10. Os sacerdotes que no caso de morte reservam penas canônicas para o purgatório agem ignorante e incorretamente.

11. Esta cizânia que se refere à mudança de penas canônicas em penas no purgatório, certamente foi semeada enquanto bispos dormiam.

12. As penitências canônicas eram impostas antigamente não depois da absolvição, mas antes dela, como prova de verdadeira contrição.

13. Os moribundos pagam todas as suas dívidas por mais de sua morte e já estão mortos para as leis dos cânones, estando livre de sua jurisdição.

14. Qualquer deficiência em saúde espiritual ou em amor por parte de um homem moribundo deve trazer consigo temor, e quanto mais for à deficiência maior deveria ser o temor.

15. Este temor e esse terror bastam por si mesmos para produzir as penas do purgatório, sem qualquer outra coisa, pois estão pouco distantes do terror do desespero.

16. Com efeito, a diferença entre inferno, purgatório e céu parece ser a mesma que há entre desespero, quase-desespero e confiança.

17. Parece certo que para as almas do purgatório o amor cresce na proporção em que diminui o terror.

18. Não parece estar provado, que por argumentos quer pelas escrituras, que essas almas estão impedidas de ganhar méritos ou de aumentar o amor.

19. Nem parece estar provado que elas estão seguras e confiantes de sua bem aventurança, ou pelo menos, que todos estejam, embora possamos estar seguro disso.

20. O Papa pela remissão plenária de todas as penas não quer dizer a remissão de todas as penas em sentido absoluto, mas das que foram impostas por ele mesmo.

21. Por isto estão em erro os pregadores de indulgências do Papa.

22. Pois para as almas do purgatório ele não perdoa penas a que estavam obrigadas a pagar nesta vida, segundo os cânones,

23. Se é possível conceder remissão completa em penas a alguém, é certo que somente pode ser concedida ao mais perfeito, isto quer dizer, a muito poucos.


24. Daí segue-se que a maior parte do povo está sendo enganada por essas promessas indiscriminadas e liberais de libertação de penas.

25. O Mesmo poder sobre o purgatório que o Papa possui em geral, é possuído pelo Bispo e pároco de cada diocese ou paróquia.

26. O Papa faz bem em conceder remissão às almas não pelo poder das chaves (poder que ele não possui) mas através da intercessão.

27. Os que afirmam que uma alma voa diretamente para fora (do purgatório) quando uma moeda soa na caixa das coletas, estão pregando uma invenção de homens.

28. É certo que quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza, mas a intenção da igreja está unicamente na vontade de Deus.

29. Quem pode saber se todas as almas do purgatório desejam ser resgatas? (que se pense na história contada de S. Severino e S. Pascoal).

30. Ninguém está seguro da verdade de sua contrição; muito menos de que se seguirá a remissão plenária.

31. Um homem que verdadeiramente compre suas indulgências é tão raro como um verdadeiro penitente, isto é, muito raro.

32. Aqueles que se julgam seguros da salvação em razão de suas cartas de perdão serão condenados para sempre, juntamente com seus mestres.

33. Devemos guardar-nos particularmente daqueles que afirmam que esses perdões do Papa são o dom inestimável de Deus, pelo qual o homem é reconciliado com Deus.

34. Por que essas concessões de perdão só se aplicam às penitências da satisfação sacramental que foram estabelecidas pelos homens.

35. Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgências estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristianismo.

36. Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plenária tanto da pena como da culpa, que são sem dúvidas, mesmo sem uma carta de perdão.

37. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem contas de perdão.

38. Contudo, o perdão distribuído pelo Papa não deve ser desprezado, pois, como disse, é uma declaração de remissão divina.

39. É muito difícil, mesmo para os teólogos mais sábios, dar ênfase na pregação pública simultaneamente ao beneficio representado pelas indulgências e a necessidade da verdadeira contrição.

40. Verdadeira contrição exige penitência e a aceita com amor, mas o beneficio das indulgências relaxa a penitência e produz ódio a ela. Tal é pelo menos a sua tendência.

41. Os perdões apostólicos devem ser pregados com cuidado para que o povo não suponha que eles são muito mais importantes que outros atos de amor.

42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é intenção do Papa que se considere a compra de perdões em pé de igualdade com as obras de misericórdia.

43. Deve ensinar-se aos cristãos que dar aos pobres ou emprestar aos necessitados é melhor obra que comprar perdões.

44. Por causa das obras de amor, o amor é aumentado e o homem progride no bem; enquanto que pelos perdões não há progresso na bondade, mas simplesmente mais liberdade de penas.

45. Deve ensinar-se aos cristãos que um homem que vê um irmão em necessidade e passa ao seu lado para dar seu dinheiro na compra de perdões, merece não a indulgência do papa, mas a indignação de Deus.

46. Deve-se ensinar aos cristãos que, a não ser que haja grande abundância de bens, são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo algum gastar seus bens na compra de perdões.

47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de perdões é matéria de livre escolha e não de mandamento.

48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder perdões, o Papa tem mais desejo (como tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que de dinheiro contado.

49. Deve-se ensinar aos cristãos que os perdões do Papa são úteis se não se põe confiança neles, mas que são enormemente prejudiciais quando por causa deles se perde o temor a Deus.

50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o Papa conhecesse as exações praticadas pelos pregadores de indulgências, ele preferiria que a Basílica de S. Pedro fosse reduzida a cinzas a construí-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51. Deve-se ensinar aos cristãos que o Papa, como é de seu dever, desejaria dar os seus próprios bens aos pobres homens de quem certos vendedores de perdão extorquem dinheiro, que para este fim ele venderia, se fosse possível, a Basílica de São Pedro.

52. Confiança na salvação por causa de cartas de perdões é vã, mesmo que o comissário, e até mesmo o próprio Papa, empenhasse sua alma como garantia.

53. São inimigos de Cristo e do povo, os que em razões da pregação das indulgências exigem que a palavra de Deus seja silenciada em outras igrejas.

54. Comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se concede tempo igual, ou mais longo, as indulgências do que a palavra de Deus.

55. A intenção do Papa deve ser esta: se a concessão dos perdões, que é matéria de pouca importância, é celebrada pelo toque de um sino, com uma procissão e com uma cerimônia, então o Evangelho, que é coisa mais importante, deve ser pregado com o acompanhamento de cem sinos, de cem procissões e de cem cerimônias.

56. Os tesouros da igreja de onde o Papa tira as indulgências, não estão suficientemente esclarecidos, nem conhecidos entre o povo de Cristo.

57. É pelo menos claro que são tesouros temporais, por que não estão amplamente espalhados, mas somente colecionados pelos numerosos vendedores de indulgências.

58. Nem são os méritos de Cristo ou dos santos, por que esses, sem o auxilio do Papa, operam a graça do homem interior e a crucificação, morte e descida ao inferno do homem exterior.

59. S. Lourenço disse que os pobres são os tesouros da Igreja, mas falando assim estava usando a linguagem de seu tempo.

60. Sem violências dizemos que as chaves da Igreja, dadas por mérito de Cristo, são esses tesouros.

61. Porque é claro que para a remissão das penas e a absolvição de casos (especiais) é suficiente o poder do Papa.

62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus.

63. Mas este é merecidamente o mais odiado, visto que torna o primeiro último.

64. Por outro lado, os tesouros das indulgências são merecidamente muito populares, visto que fazer do último primeiro.

65. Assim os tesouros do Evangelho são redes com que desde a antiguidade se pescam homens de bens.

66. Os tesouros das indulgências são redes com que agora se pescam os bens dos homens.

67. As indulgências, conforme declarações do que as pregam são as maiores graças; mas maiores se devem entender como rendas que produzem.

68. Com este efeito, são de pequeno valor quando comparados com a graça de Deus e a piedade da cruz.

69. Bispos e párocos são obrigados a admitir os comissários dos perdões apostólicos com toda reverência.

70. Mas estão mais obrigados a aplicar seus olhos e ouvidos à tarefa de tornar seguro que não pregam as invenções de sua própria imaginação em vez da comissão do Papa.

71. Se qualquer um falar contra a verdade dos perdões apostólicos que seja anátema e amaldiçoado.

72. Mas bem acentuado aquele que luta contra a dissoluta e desordenada pregação dos vendedores de perdões.

73. Assim como o Papa justamente investe contra aqueles que sob o pretexto dos perdões, agem em detrimento do negócio dos perdões.

74. Tanto mais é sua intenção investir contra aqueles que sob o pretexto dos perdões, agem em detrimento do santo amor e verdade.

75. Afirmar que os padrões papais têm tanto poder que podem absolver mesmo um homem, que para aduzir uma coisa impossível, tivesse violado a mãe de Deus, é delirar como um lunático.

76. Dizemos ao contrário, que os perdões papais não podem tirar o menor dos pecados venais no que tange à culpa.

77. Dizer que nem mesmo S.Pedro, se fosse o Papa, não podia dar graças maiores, é uma blasfêmia contra S.Pedro e o Papa.

78. Dizemos contra isto que qualquer Papa mesmo Pedro, tem maiores graças que essa, a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da cura), etc. Como em I Co 12.

79. É blasfêmia dizer que a cruz adornada com as armas papais tem os mesmos efeitos que a cruz de Cristo.

80. Bispos, párocos e teólogos que permitem que tal doutrina seja pregada ao povo deverão prestar contas.

81. Essa licenciosa pregação dos perdões torna difícil, mesmo a pessoas estudadas, defender a honra do Papa contra a calúnia, ou pelo menos contra as perguntas capciosas dos leigos.

82. Esses perguntam: porque o Papa não esvazia o purgatório por um santíssimo ato de amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justas das causas, visto que ele resgata em número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro dado para edificação de uma Basílica que é uma causa bem trivial?

83. Porque continuam os réquiens e os aniversários dos defuntos ele não restitui os benefícios feitos em favor, ou deixa que sejam restituídos, visto que é coisa errada orar pelos redimidos?

84. Que misericórdia de Deus e do Papa é essa de conceder a uma pessoa ímpia e hostil a certeza, por pagamento de dinheiro, de uma alma pia em amizade com Deus, enquanto não resgata por amor espontâneo uma alma que é pia e amada, estando ela em necessidade?

85. Os cânones penitenciais foram revogados de há muito e estão mortos de fato e por desuso. Porque ainda se concedem dispensas deles por meio de indulgências em troca do dinheiro, como se ainda estivessem em plena força?

86. As riquezas do Papa hoje em dia excedem em muito às dos mais ricos Crassos; não pode ele então construir uma Basílica de S. Pedro, com seu próprio dinheiro, em vez de fazê-lo com o dinheiro dos fiéis?

87. O que o Papa perdoa ou dispensa àqueles que pela perfeita contrição têm direito à remissão e dispensa plenária?

88. Não receberia a Igreja um bem muito maior se o Papa fizesse cem vezes por dia o que agora faz uma única vez, isto é, distribuir remissões e dispensas a cada um dos fiéis?

89. Se o Papa busca pelos seus perdões antes a salvação das almas do que dinheiro, por que suspende ele cartas e perdões anteriormente concedidos, visto que são igualmente eficazes?

90. Abafar esses estudados argumentos dos fiéis apelando simplesmente para a autoridade papal em vez de esclarecê-los mediante uma resposta racional, é expor a Igreja e o Papa ao ridículo dos inimigos e tornar os cristãos infelizes.

91. Se os perdões fossem pregados segundo o espírito, e a intenção do Papa seria fácil resolver todas essas questões; antes, nem surgiriam.

92. Portanto, que se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo, “paz, paz”, e não há paz.

93. E adeus a todos os profetas que dizem ao povo de Cristo. “a cruz, a cruz” e não há cruz.

94. Os cristãos devem ser exortados a esforçar-se em seguir a Cristo, sua cabeça, através de sofrimentos, mortes e infernos.

95. E que eles confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança de paz.

E) Reação de Roma.

Em 1518, Roma tratou de liquidar o caso do monge de Wittenberg. Lutero foi chamado para responder processo em Roma, dentro de sessenta dias, mas, por interferência de Frederico, o sábio príncipe da Saxônia, o Papa consentiu que a questão fosse tratada em Augsburgo, pelo Cardeal Cajetano,. Este exigia simplesmente que Lutero se retratasse, o que não fez, naturalmente.

Tinha Lutero nessa época o apoio do capítulo da Ordem dos Agostinhos e do corpo docente da universidade de Wittenberg. Cajetano declararia depois dos três encontros com Lutero: “Ele tem olhos que brilham, e raciocínio que desconcertam”.

O Papa temia suscitar oposição cerrada entre os príncipes alemães. Valeu-se, para que isso não acontecesse da diplomacia. Condecorou o protetor de Lutero, Frederico o sábio, com a “Ordem da Rosa Áurea da Virtude”, para afastá-lo de Lutero, e enviou o conselheiro Karl Von Militz. Este conseguiu, com brandura, que Lutero escrevesse uma carta ao Papa, declarando sua fiel submissão; mas reafirmou também, sua doutrina da justificação pela fé somente, sem os méritos de obras.

Expôs e defendeu sua posição num debate com o Dr. João Eck em Leipzig. O que precipitou o rumo das coisas foi sua declaração de que nem todas as doutrinas de João Huss (queimado como herege em Constança, em 1415) eram falsas, e que os concílios são passíveis de erros em suas decisões. Isto o colocou à margem da igreja papal, que se fundamentava sobre a infalibilidade do Papa e dos concílios.

F) Primeiros Escritos

Em 1520, escreveu três livros fundamentais mostrando o antagonismo do sistema de salvação papal e o ensino bíblico: “A sua Majestade imperial e a Nobreza Cristã sobre a Renovação da Vida Cristã, - “Sobre a Escravidão Babilônica da igreja” e “Da Liberdade Cristã”,. Alguns de seus pensamentos chave aí registrados são estes: - “O cristão é servidor de todas as coisas e submisso a todos, pelo amor”, “Não fazem as obras um bom cristão, mas um bom cristão faz boas obras”. Estava ensinando o Clero.

G) Excomunhão e a Dieta de Worms

A resposta do Papa foi a bula de excomunhão Exsurge Domine. Tinha ainda sessenta dias para retratar-se do que havia escrito e ensinado. Em 03 de janeiro de 1521 esgotou-se o prazo dado na bula, sendo então proferido o anátema definitivo, pela bula Decet Romanum Pontificem.

Ainda em 1521, reunia-se a primeira Dieta ou Assembléia do Império, presidida pelo jovem imperador Carlos V, eleito em 1520, em sucessão a Maximiliano, para dirigir o reino “em que o sol não se punha”. Lutero, intimidado, compareceu diante da Assembléia em 17 e 18 de abril de 1521.

Perguntado se renunciava ao que tinha escrito respondeu: “Não posso, nem quero retratar-me, a menos que seja convencido do erro por meio da palavra bíblica ou por outros argumentos claros. Aqui estou; não posso de outra maneira! Que Deus me ajude. Amém”.

Neste ano, o Papa Leão X, por uma bula papal, condenou Lutero por suas propostas e intimou-o a retratar-se, sob pena de ser considerado herege. Lutero reagiu queimando em público o documento papal, sendo excomungado e devendo se submeter a um julgamento secular. Condenado também pelos simpatizantes do Imperador Carlos V, na dieta de Worms.

Foi posto em segurança pelo Duque Frederico, através de um seqüestro simulado de cavaleiros embuçados, durante sua viagem de retorno, e escondido no Castelo de Waterburgo, nas proximidades de Eisenach; onde redigiu panfletos com suas idéias de reforma e traduziu o Novo Testamento grego para um alemão fluente e de grande aceitação popular.

Os primeiros cinco mil exemplares esgotaram-se em três meses. Em cerca de dez anos houve 58 edições. Em 1522, com risco de vida, reassumiu as funções de professor em Wittenberg.

Juntamente com Felipe Melanchthon (cognominado Praeceptos Germaniae – educador da Alemanha) seu grande amigo e colaborador, instruiu centenas de estudantes alemães, boêmios, poloneses, finlandeses, escandinavos.

Grande parte dos príncipes alemães o apoiaram porque desejavam romper com o Imperador Carlos V e com a poderosa e influente Igreja Católica.

Esses príncipes apoderaram-se das terras da Igreja Católica, fortalecendo assim, o Estado.

As idéias de Lutero influenciaram o movimento da revolta camponesa dos anabatistas que, liderados por Thomaz Munzer, tentaram tomar as terras senhoriais e do Clero. O ano de 1525 ficou marcado com a guerra dos camponeses, uma revolução armada em que os camponeses, sob federação, reivindicaram mais liberdade aos latifundiários. Em seus objetivos políticos sociais idealizaram Martinho Lutero como chefe. Confundiram reivindicações como aspirações religiosas. Lutero, embora compreendendo suas necessidades, viu-se forçado a distanciar-se do movimento, porque não era política a missão dele.

Lutero se opôs violentamente contra os anabatistas, gerando com isso uma verdadeira guerra religiosa. A carnificina, com batalha final em Frankenhausen; trouxe prejuízos ao movimento da Reforma. Mas esta a despeito de todos os abusos praticados em seu nome, se expandia.

A posição de Lutero revelou o seu comprometimento com os príncipes e setores da nobreza alemã.

Lutero procurava consolidar as igrejas e escolas que haviam aderido à Reforma em território alemão e países vizinhos. Neste mesmo ano (1525) casou-se com uma ex-freira, Catarina de Bora, de cujo casamento lhes nasceram 06 filhos.


H) Culto e Liturgia

De 1527 a 1529 esteve empenhado na organização da Igreja Evangélica. Compositor e poeta, compôs trinta e sete hinos. Cabe-lhe a celebridade de popularizar o Lied eclesiástico. Era também conhecido como o “Rouxinol de Wittenberg”. Traduziu a ordem da missa para o alemão Deutsche Messe 1526 – a partir do que os cultos passaram a ser celebrados na língua do povo, e não no latim que ninguém entendia.

I) Os dois Catecismos

No ano de 1529 com a expansão das idéias reformistas, o Imperador Carlos V convocou a dieta de Spira, que decidiu pela permissão ao luteranismo nas regiões convertidas, preservando, no entanto, as regiões alemãs ainda católicas.

O protesto dos luteranos contra as medidas da Dieta resultaram no surgimento do termo “protestante”.

Martinho Lutero e o teólogo Felipe Melanchton escreveram, no ano de 1530, a obra reformista Confissão de Augsburg, na qual foram estabelecidos os fundamentos da doutrina luterana. Entre eles podemos destacar:

- A salvação não se alcança pelas obras, mas sim pela fé pela confiança em Deus e pelo sofrimento interior.

- O culto religioso foi simplificado, baseando-se nos salmos e na leitura da Bíblia.

- Valorizou-se o contato direto entre o fiel e Deus, dispensando-se o Clero como intermediário.

- Manutenção de dois sacramentos: o batismo e a eucaristia (comunhão) e no ritual da eucaristia, acreditava-se na presença de Jesus no pão e no vinho, negando a transformação do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo (transubstanciação pregada pela Igreja Católica).

Ainda em 1529 redigiu dois manuais de instrução, até hoje em uso nas igrejas luteranas: “Catecismo Maior”. Os dois volumes apresentam, em seis partes, um sumário da doutrina cristã. O primeiro é escrito, especialmente para as crianças; o segundo, para os pais.

Justificando, o reformador afirma: “A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também fui visitador, é que me obrigou e impulsionou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela.

“Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias”. Numa outra oportunidade afirma: “Eu também sou doutor e pregador, e, na verdade, tenho de continuar diariamente a ler e estudar, e ainda assim não me saio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo”.

J) Somente as escrituras

No ano de 1529 realizou-se, no mês de outubro, um encontro entre Huldrych Zwingli e Lutero para um debate doutrinário, denominado Colóquio de Marburgo, uma controvérsia eucarística.

O pregador Zwingli, que vivia na Suiça, também reconhecera a apostasia da Igreja romana, pregando a Palavra e testemunhando contra as indulgências. Diferia no entanto, da doutrina de Lutero e a discrepância básica reunia-se na pergunta: Os artigos da fé devem basear-se exclusivamente na Palavra de Deus ou também na razão humana? Não chegaram a um acordo, visto que a resposta de Lutero não admitia dúvidas: A Escritura, e nada além dela, é fonte de artigos de fé, como também, mais tarde, a fórmula de Concórdia o expressa: “Cremos, ensinamos e confessamos que somente os escritos proféticos re apostólicos do Antigo e Novo Testamento são a única regra e norma segundo a qual devem ser ajuizados e julgados.

A base de Zwingli era uma teologia com a filosofia ou seja, a razão humana.

K) Confissão de Augsburgo

Auxilio o Duque João Frederico a delinear sua estratégia em relação a Dieta de Augsburgo (1530) convocada pelo imperador para superar o cisma, acompanhou a redação, por Felipe Melanchton, de uma defesa oficial, que veio chamar-se Confissão de Augsburgo.

O documento, a primeira e mais notável das confissões evangélicas, foi lido em público à assembléia imperial, em nome de príncipes e cidades partidárias da Reforma, a 25 de junho de 1530. Era composto o documento de duas partes: uma dogmática; outra, apologética.

Argumentavam na Confissão que, quanto a doutrina, continuavam fiéis ao que a Igreja vinha ensinando à base das Escrituras Sagradas, conforme os Credos Apostólicos e Niceno; com respeito ao culto, mantinham os ritos antigos convenientes ao evangelho.

Cancelando apenas aqueles costumes, ritos e cerimônias que obscureciam a glória de Jesus Cristo, como único mediador entre Deus e os homens. Reivindicaram, por conseguinte, o direito de conviver em paz com o Papa e os bispos no seio da Igreja do Império.

O imperador, ouvida a confissão, determinou que os teólogos de Roma, elaborassem a “Confutação Católica à Confissão de Augsburgo. A 03 de agosto fez uma leitura desta. Não terminava ainda a apresentação de confissões de Augsburgo, de alto valor teológico, mas da qual a Dieta não quis tomar conhecimento.

A dieta lhe concedeu o prazo de 15 de abril de 1531 para voltarem ao seio da Igreja Romana e exigir rigoroso cumprimento do Edito de Worms.

Embora desaconselhados por Lutero, constituiu-se em fevereiro de 1531 uma poderosa agremiação política dos príncipes luteranos, denominada “lida de Esmalcalde”.

Porém, em visto do perigo dos turcos às portas do Império, em Viena, o imperador dependia do auxilio militar dos príncipes evangélicos; por isso, pela paz de Nuremberg, para a qual Lutero muito contribuiu.

Em 1532, permitiu aos adeptos da Confissão de Augsburgo a persistirem nas suas doutrinas e concedia-lhes ainda outros privilégios. Essa tolerância seria dada até a realização de um concílio da Igreja.

L) Tradução do Antigo Testamento

Não houve, assim, apesar dos esforços, uma maneira de restabelecer a unidade da igreja e no império.

Em 1534 Lutero terminava uma tarefa em que havia trabalhado mais de 10 anos: a tradução do Antigo Testamento para o alemão. No mesmo ano pode-se publicar então, a Bíblia completa. Em 1538 Lutero redigiu, por solicitação do Duque João da Saxonia, artigos para serem apresentados num “Concilio geral livre”. Convocado pelo Papa. Os artigos Esmalcalde, porém, não chegaram a ser apresentados. Os líderes evangélicos concluíram que o concílio não seria livre e se negaram a participar do Concilio de Trento (1545-1563), que desencadeou a contra-reforma, no pontificado de Paulo III.

M) Paz de Augsburgo

A paz de Augsburgo, em 1555, atendeu de certa forma, aos reclamos evangélicos. Substituiu a tolerância religiosa nestes termos: os príncipes e cidadãos do império respeitariam a filiação religiosa de cada um.

Quanto ao povo teria a opção de adotar a confissão religiosa do respectivo domínio ou de emigrar para o território que tivesse a confissão desejada.

Martinho Lutero faleceu aos 62 anos de idade, em 18 de fevereiro de 1546, em sua cidade natal, Eisleben, depois de solucionar um litígio entre os Condes de Mansfeld. Com grande cortejo fúnebre e ao som de todos os sinos, Lutero foi sepultado sob as lajes da Igreja do Castelo de Wittemberg, onde sempre pregava o evangelho.

IV) A REFORMA SUIÇA

A) Huldriych Zwingli

Ainda que nominalmente fazendo parte do império, a Suíça era praticamente independente, pois se firmava numa fraca confederação composta por 13 cantões, mas cada um era uma república com autogoverno. Como um todo, o país era considerado o mais livre da Europa.

A reforma suíça teve suas origens no humanismo, no autogoverno local, no ódio às restrições eclesiásticas e na resistência aos impostos monásticos, especialmente onde os mosteiros tinham muitas terras.

Ulrich Zwinglio, o principal reformador da Suíça, de língua alemã, nasceu em 1ª de janeiro de 1484, em Wildhaus. Seu pai era bailio da aldeia e se encontrava em boa posição. Era o terceiro filho de uma família suíça, da qual descenderam padres e monges, estudou em Basiléia, Berna e Viena. Nos estudos ocupou-se primeiramente com a filosofia e depois com a teologia, tornando-se pároco de Glarus (Mestre) em 1506, aos vinte e dois anos de idade .

Naquela época também recebeu a ordenação sacerdotal. Voltado aos problemas do momento, por duas vezes acompanhou, como capelão militar, seus compatriotas para a Itália. E presenciou suas batalhas. Depois do regresso, insurgiu-se contra o recrutamento tentado pelos franceses em Glarus.

Não podia conciliá-lo com seu ardente patriotismo. Como não conseguiu impor-se, entregou a paróquia em mãos de um vigário, e colocou-se como sacerdote plebano e pregador em Einsiedeln, lugar afamado de peregrinação. Em dezembro de 1518, o conselho de Zurique convocou-o como pregador da Catedral.

A mudança aumentou-lhe o respeito como pregador e estudioso.

Em 1519 em Zurique foi eleito sacerdote do povo, começou ordenada exposição de todos os livros da Bíblia, iniciando com o evangelho de Mateus. Também começou a ter contato com os escritos de Lutero.

A par da cura das almas, Zwinglio não abandonava os estudos humanísticos. Além do grego, aprendeu o hebraico.

Os contatos com Erasmo , que o incitava a usar só a Bíblia e os Santos Padres nos sermões. Zwinglio então, já não pregava sobre as perícopes dos evangelhos e das Epístolas, mas pela seqüência contínua do texto sobre o Evangelho de São Mateus e de outros livros bíblicos.

Na verdade, ele manejava a Bíblia de outro modo que Lutero. Na Bíblia Lutero procurava encontrar a própria salvação; Zwinglio numa posição mais extrema e mais critico que Lutero em face da palavra revelada, e procurando o mais possível diminuir o mistério, querendo reduzir o cristianismo a uma filosofia de Cristo e a uma forma mais simples, principalmente das romarias, do culto dos santos e das relíquias, naturalmente também das indulgências.

Zwinglio não tinha pessoalmente como Lutero, lutas de consciência nem o drama da certeza de salvação. Por isso mesmo, para ele, a graça e a morte de Cristo na cruz não se colocavam no centro, mas a lei como eterna vontade de Deus; não a justificação, mas a santificação que Cristo opera no homem. Se a vontade de Deus esta claramente enunciada na Sagrada Escritura. Logo todos os costumes devem ser analisados, se não prescritos na Bíblia, do contrário devem ser supressos. Dentro, porém, de tais critérios, que resta ainda dos sacramentos? Só o Batismo e a Ceia, mas reduzidos à categoria de símbolos sem nenhuma eficácia.

Suas pregações tiveram conseqüências para a sua visão da igreja. Porém, suas propostas para a Reforma não foram resultado de conflitos pessoais . Eles foram surgindo aos poucos.

Zwinglio leu todos os escritos de Lutero, mas não se considerou seu discípulo. Foi contanto, diferente de Lutero em muitos sentidos.

Sua separação de Roma foi mais fácil e mais radical; as crises de fé como Lutero passou, lhe eram estranhas. Zwinglio era republicano e não podia acompanhar a ética da obediência de Lutero. A reforma de Lutero, segundo ele, era incompleta. Ela devia ser total.

Em 1521, Zwinglio que sempre tinha em vista também a comunidade social e política, exigiu do pequeno Conselho a ordem de que todos os pregadores tomassem obrigatoriamente a Bíblia como base única de pregação.

Quando, em conseqüência da pregação de Zwinglio, o preceito do jejum foi publicamente desacatado em Zurique “alguns ouvintes de suas pregações sobre práticas quaresmais, tiraram delas a conseqüência prática, reunindo-se na casa do impressor Froschauer, para uma linguiçada. Em Basiléia, igualmente foi rompido o jejum quaresmal, só que lá não se comeram lingüiças, mas um leitão” .

A autoridade episcopal julgou que deveria intervir. Zwinglio estivera presente na casa de Froschauer. Ainda que não teria provado da linguiçada, foi aberto processo disciplinar contra ele. De imediato, Zwinglio renunciou as funções sacerdotais. A ameaça de excomunhão respondeu Zwinglio com exasperado ataque aos chefes da igreja, não queria mais saber da velha igreja.

Não obstante, o Conselho de Zurique por sua vez confirmou-o no cargo. Realizou-se em 1523, uma disputa organizada pelo Conselho, mas o resultado era conhecido de antemão. Zwinglio formulou 67 teses, que rejeitavam a Igreja visível; que negavam a tradição oral, a hierarquia, o sacerdócio, e o sacrifício da missa, que contestavam os votos religiosos, os dias santos, os dias de jejum, que atribuíam francamente o regime eclesiástico aos poderes públicos. Este debate público aconteceu em 29 de janeiro de 1523, sob a presidência do burgomestre. Assistido por mais de 600 pessoas, o debate culminou com a vitória de Zwinglio.

Assim desenvolveu sua teologia com base nas 67 conclusões, fundamento dogmático da nova Igreja. Decidiu-se que Zwinglio continuaria a pregar o Evangelho como até então fizera.

O Conselho ordenou então aos pregadores que se amoldassem às teses de Zwinglio. Com esta decisão do Conselho estabeleceu-se uma ruptura com o papado. Daí em diante a Reforma pode acontecer de maneira mais rápida, menos complicado e mais radical do que aconteceria na área de influência de Lutero.

Antes da vitória, Zwinglio já tinha mandado elaborar um novo rito batismal, que só acentuava ainda mais o valor simbólico do sacramento.

Uma segunda disputação deveria promover a abolição das imagens e da missa, mas encontrou resistência.

Não compartilhava Zwinglio da convicção de Lutero, de que a ação lenta e silenciosa da Palavra de Deus criaria mudanças na sociedade.

Determinações da autoridade civil criaram o Estado, determinado pela Igreja, no qual uma polícia de costumes controlava a freqüência do cidadão ao culto e a santa ceia.

Assim como Lutero, Zwinglio quis orientar sua Reforma pela Bíblia. Esta lhe serviu de critério para a reforma da missa. Entretanto, em janeiro de 1524, o Clero se recusou a seguir a reforma, em conseqüência o Conselho de Zurique procissões e romarias, e em junho o culto das imagens também foi proibido.

Num período de treze dias, todas as igrejas da cidade passaram por um processo de “purificação”, caiaram as paredes, derrubaram e destruíram os painéis e as estátuas, abolindo inclusive as velas, o toque dos sinos, e a unção dos enfermos, e também desmontaram os órgãos. No inicio de 1525, fecharam-se os conventos. A catedral (Grossmunster) foi transformada numa escola Teológica, cuja determinação era formar uma comunidade de nações com radicação na Bíblia. Um regulamento municipal de esmolas abrangia todas as fundações eclesiásticas, para que lhes não faltassem verba.

Ainda no ano de 1525, antes da Páscoa, o Conselho proibiu a missa .

Na quinta-feira santa, celebrou-se a primeira ceia do Senhor na forma mais simples possível, na Catedral de Zurique. No mês seguinte, instituiu-se um tribunal matrimonial, composto de leigos e predicantes. Declarava-se competente para julgar as questões, até então tratadas pela Cúria Diocesana, sobre impedimentos matrimoniais, validade e separação de casamentos. Continuando seus passos reformistas, o Conselho também facultou o matrimônio aos sacerdotes. Desde 1522, Zwinglio vivia maritalmente com a viúva Anna Reinhart. Pouco antes do nascimento de uma criança; Zwinglio casou-se com a viúva, em 02 de abril de 1524.

Nestes contornos ficava perfeita a estrutura da cidade cristã, na qual Zwinglio via, mais do que na paróquia, a Igreja visível propriamente dita, a cujo braço forte também recorria, sem escrúpulos, quando os anabatistas ameaçavam destruir sua comunidade.

Os cultos de Zwinglio eram muito simples. Consistia em oração, leitura da Bíblia, administração da ceia quatro vezes por ano. O canto religioso e a música de órgãos eram proibidos. O batismo era apenas o símbolo da Aliança Cristã, a ceia apenas a comemoração da Paixão de Cristo.

Praticamente sem escrúpulos e com brutal energia, quis Zwinglio em casas de oração e pregação despojadas de imagens, reunir a totalidade do povo, e liquidar sumariamente com a consternação dos velhos crentes em Zurique; o que provocou o choro de muitas mães.

A opinião de Zwinglio, era a entrega total da Igreja ao Conselho da cidade, pois considerava como uma unidade religiosa as comunidades religiosas e civis; tornou-se um paradigma para muitas cidades livres da Alemanha Meridional.

Um contraste com a comunidade de Lutero de Wittenberg. Desta maneira, ambos os reformadores organizavam quase simultaneamente suas comunidades e nelas exprimiram a diferenças de seus temperamentos.

Enquanto Lutero acentuava mais a continuidade histórica, eliminando da missa somente aquilo que lhe parecia contrário ao Espírito de Cristo, Zwinglio foi muito mais radical. Eliminou todas as cerimônias e todas as formas sacerdotais . Permaneceram o culto de pregação e uma celebração eucarística, muito mais orientada na disciplina eclesiástica do que na temática cristológica da encarnação de Deus em Cristo. Pregação e disciplina passavam a formar um importante binômio para parte do protestantismo. Lutero sentia-se comprometido com o Imperador e com o reino, enquanto que Zwinglio via o imperador como aliado do Papa e o representante da Áustria opressora, ambos inimigos do Evangelho.

Na Suíça apresentava uma situação de crise, devido a forma autoritária de Reforma de Zwinglio, que provocara descontentamentos. Por outro lado, os cantões católicos preparavam-se para a guerra.

Quando iniciou a guerra, Zurique estava despreparada. Zwinglio acompanhou as tropas de seu cantão (região) como capelão, vestindo roupa militar. Em Kappel, ainda antes da principal batalha, Zwinglio foi ferido, morrendo em 11 de outubro de 1531. Seu corpo foi julgado por heresia, esquartejado e queimado. Suas cinzas foram espalhadas ao vento.

Com sua morte, a Reforma estagnou na Suíça. Contudo, sua obra teve continuidade no assim chamado protestantismo reformado, que continua na obra de João Calvino.

“A fraqueza do movimento de Zwinglio. Como o de Lutero, consistia no fato de ele ter convertido em partido político e unido a sua igreja ao governo civil. Sua idéia era que as nações modernas deviam ter como o antigo reino de Israel, governos democráticos, ou, por outra, a nefasta e anti-bíblica idéia de igrejas nacionais .

B) João Calvino (1509-1564)

Ele foi o grande propagandista da Reforma e colocou a Igreja na direção certa. A autoridade religiosa tomou a forma democrática: rejeitou a tradição, reduziu os sacramentos, suprimiu as cerimônias e aceitou a doutrina da predestinação, elaborando os cinco pontos do calvinismo: 1) Decreto absoluto, contra eleição condicional; 2) Redenção particular, contra a expiação universal; 3) Depravação total contra a graça comum suficiente ou capacidade de salvação; 4) graça irresistível, contra graça convencível; 5) Perseverança dos santos, contra a possibilidade de cair da graça. As institutas, escritas por Calvino, tornou-se uma das mais valiosas obras da Reforma.

Nascido na França, Picardia, cidade de Noyon em 10 de julho de 1509,ano em que Lutero começou a pregar em Wittenberg.

Era o segundo filho de uma família de quatro filhos e duas filhas. Seu pai chamava-se Gerard Chauvin , em função das altas posições que ocupava como secretário do bispo de Noyon, advogado do cabido e procurador fiscal do condado, mantinha boas relações com as famílias dos nobres e Clero da região, ainda que procedendo de família humilde.Sua mãe, Joana Le Franc de Cambrai, era mulher reconhecida por imensa beleza, religiosidade e devoção à família.

Batizado na tradição católica teve como padrinho Jean Vatine, cônego da Catedral de Noyon.

A vida da família desenvolveu em estreita conexão com a Igreja, pois Gerard era administrador dos bens eclesiásticos e seus filhos receberam prebendas com as quais deveriam ser financiados seus estudos.

Com a morte de sua mãe, Calvino foi internado na casa de uma nobre família de Montmor, onde recebeu esmerada educação, adquirindo maneiras polidas e ar aristocrático, algo raro entre os reformadores.

Foi educado sob orientação pedagógica de Marturim Cardier, um dos mestres do latim de sua época, no colégio de La Marche em Paris.

Como estudante, Calvino ultrapassou os companheiros. Era de estatura baixa, feição pálida, organismo delicado, olhar brilhante, e caráter firme, combinava em si a firmeza e profundidade do alemão e a vivacidade. Bom senso e predileção pela lógica do francês.

Era tímido, irritável e austero, tinha grande capacidade organizadora e a inflexibilidade e intolerância de um ditador.

Aos quinze anos de idade, graças a sua inteligência e os hábitos estudiosos, Calvino pode matricular-se na Universidade de paris, onde começou o seu preparo para o sacerdócio, seu gosto era mais apurado para os clássicos do que para os estudos da teologia.

Por parte de uma desinteligência com o bispo, por parte do pai, o jovem Calvino foi transferido, em 1528 para a Universidade de Orleans. Gerard Chauvin decide então que seu filho deveria estudar direito, o caminho mais seguro para a fama e fortuna.

Destaca-se pela sua inteligência e brilhantismo, deixando Orleans antes de completar o curso, mas a academia lhe confere o titulo de Doutor, por serviços prestados. Segundo alguns de seus biógrafos, foi monitor da disciplina em várias ocasiões, tendo oportunidade de tomar contato com o mundo da antiguidade clássica, sendo tutelado por Melchior Wolmar, especialista no grego que instruiu e acompanhou seus estudos.

C ) Conversão e as Institutas (1533 – 1536)

Em 1529 transferiu-se para a Universidade de Bouges, a fim de ouvir o humanista André Alciati (1493 – 1550) e formou-se em Direito.

Com a morte de seu pai em 1531, Calvino seguiu sua própria direção, se desobrigando então de continuar a estudar Direito, passando a literatura clássica.

No colégio de França, instituição humanista que o rei Francisco I fundara em Paris, em 1530; concentrou-se nos estudos de hebraico e grego. Demonstrava ser uma pessoa muito delicada, e em 1532 publicou então um trabalho laborioso e marcado por um profundo senso de valores morais: “Comentário ao Tratado de Sênega sobre a Clemência”. Earle Cairns, afirma que esta obra marcou o ápice da influência humanística em sua vida.

Entre os anos de 1532 e 1534 Calvino passou por uma súbita conversão. Sobre sua conversão Walker concluiu: “Ao certo nada se sabe de seus pormenores, mas o centro de sua experiência foi que Deus falou com ele através das escrituras e sua vontade devia ser obedecida. Desde aí a religião passou a ocupar o primeiro lugar em seus pensamentos . Fato é que também se ignora até que ponto pensou em romper com a Igreja romana.

A partir deste momento dispensou imediatamente o dinheiro das rendas eclesiásticas. Supõe-se que sua conversão ao protestantismo tenha se dado, devido ao contato com as idéias evangélicas, talvez através dos escritos de Lutero, dos humanistas franceses evangélicos, como Jacques Lefvére Farel, em um seu primo Robert Olivetan, quando da tradução do Novo Testamento em francês no ano de 1535.

No dia de todos os santos, Calvino se envolve, como autor ou co’ autor, do discurso proferido por Nicholas Copp, médico, amigo de Calvino e Reitor da Universidade de Paris, onde declara publicamente Cristo como único mediador de Deus. O seu discurso revela simpatia com Lutero, e a Sorbonne o repele, convocando o parlamento. Copp foge para a Basiléia; Calvino tem sua casa vasculhada e seus livros apreendidos. Disfarçado de agricultor foge para Angoulêne, onde o cônego da Catedral, Luis Tillet, concedeu-lhe asilo e põe à sua disposição a biblioteca, onde provavelmente começou a escrever sua primeira edição das Institutas.

Daí por diante sua divisa foi: A fé adere ao conhecimento de Deus e de Cristo e não a reverência à igreja. Calvino amplia essa sua doutrina fundamental nas Institutas. A fé, diz ele, reside não na ignorância, mas no conhecimento não somente de Deus, porém na vontade divina.

Pois não alcançamos a salvação por aceitar as verdades prescritas pela Igreja; mas sim quando reconhecemos que Deus, o Pai, é propicio a nós na reconciliação que ele fez em Cristo, e que Jesus Cristo nos tem sido dado como justiça e vida.

Posteriormente, vai para a cidade de Nerac, na Gascônia, visita Noyon (sua terra natal), voltando a Paris se envolve, por causa da investida contra os hereges na França em 1534, e um ataque à missa e seus adornos, faz com que Calvino seja forçado a deixar apressadamente a França e encontre refúgio na cidade reformada de Basiléia.

Em 1536 aos 26 anos de idade, terminou sua grande obra “As Institutas da Religião Cristã”. Era dirigida ao rei Francisco I, numa tentativa de defender os huguenotes, que sofriam perseguições na França. Esta obra passou por várias edições até a sua edição final em 1559.

No verão de 1536, Calvino, seu irmão Antoine e sua meia irmã Maie viajaram para Estrasburgo, onde esperava estabelecer-se, como um seu desejo antigo de descanso e estudo. Em Estrasburgo havia uma grande atividade teológica e literária, lugar adequado para Calvino estudar. Mas a movimentação de tropas de Francisco I e Carlos V, desviam a sua trajetória para Genebra.

D ) Reformas em Genebra (1536 – 1538)

Graves problemas sociais afligiam Genebra bem como a Europa em geral. Havia pobreza extrema, agravada por impostos pesados. Os trabalhadores eram oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho. O analfabetismo se expandia e havia aguda falta de assistência social por parte do Estado, prevalecia a embriagues e a prostituição.

Destacava-se o vicio por jogos de cartas, rituais, característicos da idade Média, refletiam-se nas condições morais e sociais das massas.

E ) As mudanças em Genebra por Guilherme Farel (1489 – 1565)

Natural de Delfinado, de família francesa de classe média, foi educado em universidades francesas, aceitou cedo em 1521, a doutrina luterana da justificação e aprendeu as doutrinas reformadas com um piedoso e sábio doutor Etaples, chamado Tiago Fefévre. Contudo a perseguição tornou-se lhe tão violenta que se viu obrigado a refugiar-se na Suiça. Protegido por Berna ajudou a propagar as idéias reformadoras.

Em 1532, começou a agir em Genebra. Em 1535 venceu uma polêmica com os inimigos da Reforma, o que resultou na adoção formal das idéias dos reformadores, pela Assembléia geral dos cidadãos em 1536.

O Conselho passou também a regulamentar a vida dos seus cidadãos; proibindo as danças de ruas; a policia é mobilizada para manter a ordem nas ruas, são promulgadas leis que regulamentam o uso dos bares, que proíbem jogos de cartas; blasfemar o nome de Deus e servir bebida durante o horário do sermão.

Torna-se proibido todos os “dias Santos”; à exceção do domingo. Passam a ser obrigatório á todos os cidadãos em Genebra, ir ouvir o sermão de domingo, sob penas de multas pesadas. E a instrução pública se torna obrigatória, pela primeira vez na Europa.

Evidentemente, nem todos em Genebra estavam satisfeitos com as pesadas proibições impostas pelos Conselheiros, que por sua vez, seguiam a Farel.

Embora as intenções fossem as melhores possíveis, as leis por demais severas excederam os limites do razoável, provocando insatisfação, mesmo entre os crentes verdadeiros.

A cidade protestante, de Berna, havia enviado missionários liderados por Farel, e estes tinham conseguido alguns adeptos à Reforma (burgueses e leigos eruditos), entretanto, Farel entendeu que a obra era muito complexa e carecia de alguém administrativamente mais capacitado.


F ) Calvino em Genebra

Achando impraticável continuar sua obra evangélica na sua terra natal, Calvino decidiu-se a fixar residência na Alemanha. Foi de passagem por Genebra, quando Farel soube que Calvino estava na cidade e foi visitá-lo e insistiu que o jovem ficasse na cidade e o auxiliasse na Reforma.

No principio, Calvino recusou o convite de Farel de se estabelecer em Genebra e assumir o cargo de chefe da Igreja protestante que se havia organizada ali, alegando ser demasiadamente jovem (27 anos) com falta de experiência, tímido por natureza e que desejava retirar-se para um lugar tranqüilo onde pudesse estudar e escrever.

Suas razões, só serviam para confirmar a opinião de Farel a seu respeito e que deveria ficar em Genebra e respondeu-lhe asperosamente: “Ao contrário de teu pretexto de que tens de estudar, digo-te que a maldição divina pesará sobre tua cabeça se te negares a ajudar nesta obra santa, quando pensas mais em ti mesmo do que Senhor Jesus Cristo”. Essa ameaça teve mais efeitos do que a súplica.

Finalmente rendeu-se, aterrorizado pela maldição que o velho reformador invocou sobre ele, assim este ficou. Em breve, Genebra iria se tornar o centro espiritual e social da Reforma protestante na Europa .

Em Genebra, Calvino tornou-se um exímio leitor da Sagrada Escritura. Essa atividade foi iniciada com uma exposição da Epístola de Paulo aos Romanos. Em 1537, preparou um esboço para uma ordem eclesiástica da própria Igreja em Genebra, um catecismo e um credo. O esboço previa que cada cristão de Genebra deveria comungar pelo menos uma vez por mês.

Também existiam ordenanças precisas para a disciplina na vida do cristão e para o ensino cristão. Todos os habitantes do cantão deveriam submeter-se a essas instruções.

O Conselho da cidade, compreendido como “servo de Deus” deveria zelar pela pureza da religião e banir de seus territórios toda pessoa que desobedecesse. Mas o Conselho não aceitou as pressões da Calvino, Farel e outros pastores.

O Conselho de Genebra percebeu certa intolerância nas medidas tomadas por Calvino. O conflito se travou finalmente em torno do assunto da excomunhão; Calvino insistia que, para que a vida religiosa se conformasse verdadeiramente aos princípios reformadores, era necessário excomungar os pecadores impenitentes . Os burgueses queriam uma liberdade de ação e poucas obrigações e não uma religião que pudesse trazer problemas.

O Conselho resolveu afrouxar as exigências, tomando a si posteriormente a jurisdição comuna em assuntos morais e religiosos, o que contrariava as idéias de Calvino, que sempre julgou o poder civil incapaz de resolver assuntos morais e religiosos, os quais deviam caber à Igreja, por suas autoridades e consistórios, como mais tarde se veio a fazer.

Em abril de 1535 Calvino e Farel foram expulsos de Genebra. Após uma breve estada em Basiléia, Calvino se dirige para Estrasburgo, como no início desejara de onde foi convocado por Martin Bucer, que lhe confiou a comunidade de língua francesa em Estrasburgo. Ali se casou em 14 de agosto de 1540 com Idellete de Bure, viúva de um anabatista, convertida pela instrumentalidade de Calvino, recebendo a benção na cerimônia de seu amigo Farel.

A vida matrimonial de Calvino tem curta duração, entretanto feliz e cheia de ternura. O único filho do casal morreria logo após o nascimento, e sua esposa faleceu em março de 1549 acometida de tuberculose.

Outra vez Calvino foi convidado a retornar a Genebra, sem a companhia de Farel. Inicialmente recusou-se porque desejava levar a sua vida bucólica, estudando e desenvolvendo seus escritos, longe dos transtornos. Seu protetor, Martin Bucer (grande intelectual, personalidade de alto porte, um teólogo, um espírito equilibrado de disposição pacifica e moderada), levanta o tema do julgamento divino, - “Se você recusar a retomar seu ministério, estará agindo como Jonas, que tentou fugir de Deus!”.

Genebra precisava do auxílio de Calvino para dar uma resposta ao Cardeal Sadoleto, que buscava o que se chamava de recatolização da cidade.

Argumentava Sadoleto, frente à cidade de Genebra que a base da Igreja estava dada no consenso secular da tradição católico-romana.

Calvino respondeu que não é o consenso que dá base para a Igreja, mas apenas a Palavra de Deus. A verdadeira Igreja é aquela em que a doutrina, a vida eclesiástica, os sacramentos e o culto estão de acordo com a Escritura. A Reforma não é um cisma.

Em 13 de setembro de 1541 ele chegou à cidade. Estabeleceu nova ordem eclesial e nova ordem de culto, que consistia num plano detalhado para a ordem do governo da Igreja. As ordenanças Eclesiásticas exigiam o estabelecimento de quatro ofícios a saber: pastor, doutor, ancião e diácono, que correspondiam a doutrina, educação, disciplina e serviço social.

O Conselho da cidade concordou com as reformas propostas, mas em pouco tempo, começaram a surgir reações da parte dos patriotas genebrinos, que consideravam ditatoriais as reformas introduzidas pelo estrangeiro. O segundo ato foi a subida ao púlpito da Catedral de São Pedro, onde começou de onde tinha parado antes, no mesmo versículo, capítulo e livro da Bíblia.

Os patriotas liderados por Aimé Perrin ofereceram valente oposição a Calvino até o ano de 1555. Realizaram então um levante armado; vencidos, amargaram a execução de seus lideres ou seu banimento do cantão.

A discussão em torno da verdadeira doutrina era algo constante em Genebra. Em maio de 1544, Calvino ordenou a expulsão de Sébastien Castellion, por causa da sua interpretação da descida de Cristo aos infernos e por negar a canonicidade do livro de Cantares. Castellion foi para a Basiléia, onde passou a redigir uma importante obra sobre a tolerância religiosa: De Haereticis, na Sint Persequendi, (sobre os hereges, se devem ser perseguidos).

Em 1531, o rigor de Calvino atingiu Jérôme Bolsec, um ex-carmelita; este se negava a aceitar a doutrina da predestinação, desenvolvida pelo reformador de Genebra.

Calvino também se envolveu com a morte de Miguel de Servetto, este lamentável episódio. Contra o qual Calvino foi chamado a testemunhar, fato é que houve participação de Calvino; o julgamento deste, cabendo história. Miguel Servetto era um médico espanhol, gênio, sendo verdadeiro descobridor da circulação sangüínea pulmonar.

Estabeleceu-se em Vienne, na França, onde teve grande clinica. Miguel secretamente trabalhava em seu livro Restituição ao Cristianismo, que publicou em 1553.

Segundo a sua opinião as principais causas da corrupção da Igreja eram:

1. A união da Igreja com o Estado a partir de Constantino tinha se constituído numa grande apostasia.

2. A doutrina Nicena da Trindade; (Concílio de Nicéia).

3. A Cristologia de Calcedônia havia ofendido a Deus;

4. O batismo das crianças.

Servetto acabava de escapar dos cárceres da inquisição católica na França, onde corria contra ele um processo de heresia e se viu obrigado a passar por Genebra, onde foi reconhecido, quando foi escutar Calvino pregar. Desde 1545 Servetto começara uma irritante correspondência com Calvino, cujas Institutas criticava com desprezo. Calvino preparou uma lista de trinta e oito acusações contra ele, entretanto, o partido que se opunha a Calvino em Genebra adotou sua causa a causa de Servetto, o qual exigiu que Calvino fosse exilado e seus bens lhe fossem entregues. Terminou o processo com a condenação de Servetto a ser queimado vivo, mas Calvino tratou de mudar esta condenação, transformando-se na decapitação, por ser uma pena menos cruel. Muita gente condenou Calvino, mas muitos o apoiaram, inclusive Melanchthon de que se fizera “justiça”, pois a doutrina da Trindade fora preservada .

Em 1553, aconteceu a execução pública do médico Miguel de Servetto, que negava a doutrina da trindade e do pecado original. A execução de Servetto consagrou Calvino como o mais intolerante dos reformadores.

Mais tolerante foi a posição de Calvino nas discussões dogmáticas em torno da doutrina eucarística. Ele buscou intermediar entre as posições luteranas e Zwinglianas. Os teólogos luteranos ortodoxos não acompanharam suas posições.

Em 1559, Calvino conseguiu fundar, em Genebra, a Academia Genevensis, que em pouco tempo se transformou no principal centro de reflexão da teologia calvinista.

Nela, muitos jovens oriundos dos países baixos da Escócia, da Alemanha e da França receberam sua formação e também o ímpeto missionário que possibilitou a expansão do calvinismo.

Também em 1559, João Calvino publicou a última edição das Institutas, bastante ampliada em relação à primeira edição. Temos aí então a obra do teólogo maduro.

A conclusão para o francês não pôde mais ser feita por Calvino. Sua saúde estava abalada. Depois de muitas dores, faleceu em 27 de maio de 1564, aos 55 anos de idade. Foi sepultado, segundo o seu desejo, em lugar desconhecido, sem testemunhas e sem cerimônia fúnebre. O procedimento correspondia a sua teologia, honra e glória somente a Deus.

A influência de Calvino se espraiou para além de Genebra. Os discípulos espirituais de Calvino, nas mais diversas terras, possuíam os mesmos característicos. Foi esta a obra de Calvino: domínio do espírito sobre o espírito, e certamente ao tempo de sua morte, ele merecia a qualificação de único reformador internacional.

Calvino não deixou sucessor de igual estatura. Tanto crescia a obra que um só homem não podia dirigi-la. Entretanto, em Genebra e mesmo bastante além de suas fronteiras, seu manto caiu sobre os dignos ombros de Teodoro Beza (1519 – 1605) homem de espírito mais conciliador, maneiras mais gentil, mas devotado aos mesmos ideais.

G ) A Obra Literária de Calvino

1. As institutas .

É a principal obra de Calvino. A primeira edição em 1536 consistia em seis capítulos. A edição de Estrasburgo em 1539 foi ampliada. Ao todo, Calvino produziu oito edições do texto latino e cinco traduções para o francês. A edição de 1539é aquela que satisfaz, é uma obra imensa aproximadamente do tamanho do Antigo Testamento mais os evangelhos sinóticos, organizada em quatro volumes assim distribuídos:

• Volume I: O conhecimento de Deus. O criador, o conhecimento duplo de Deus: escrituras; Trindade; Criação; providências.

• Volume II: O conhecimento de Deus: o Redentor; A queda; A pecaminosidade humana; A lei; O Antigo e Novo testamento; Cristo o Mediador; Sua pessoa (profeta, sacerdote e rei) e Obra (expiação).

• Volume III: O método pelo qual recebemos a Graça de Cristo, seus benefícios e seus feitos, Fé e Regeneração; Arrependimento; Vida Cristã; Justificação; A ressurreição final.

• Volume IV: Os meios externos pelos quais Deus convida-nos à sociedade de Cristo: A Igreja; Sacramentos; Governo Civil.


2. Comentários.

Como complemento às Institutas, Calvino reportava aos leitores a seus comentários bíblicos. Calvino produziu comentário sobre o Novo Testamento, executando-se 2ª e 3ª carta de João e Apocalipse, sobre o Pentateuco, Josué, Salmos e Isaías. Os comentários de Calvino sobre o antigo Testamento, perfazendo um total de 45 volumes na tradução inglesa do século XIX.

3. Sermões.

Calvino foi um pregador e mestre em uma época em que o púlpito era o principal meio de comunicação para uma cultura inteira. Alguns sermões foram publicados durante toda a vida, outros permanecendo na forma de manuscrito até hoje.

4. Folhetos e Tratados

Alguns destes folhetos eram dirigidos contra oponentes teológicos, como os reformadores radicais: os católicos romanos e os luteranos.

5. Cartas.

Calvino foi correspondente de várias pessoas, reformadores, reis e príncipes, igrejas, pastores e mártires. As cartas de Calvino o revelam como teólogo contextualizado atento à correntes políticas e sociais da sua época, quanto a assuntos religiosos específicos. O alcance internacional da teologia de Calvino e a extensão de sua influência pessoal podem ser captados observando-se suas cartas.

6. Escritos Litúrgicos e Catequéticos.

Como pastor, versificou textos em francês para a Igreja em Estrasburgo e Genebra. Ele era consciente de que a única forma de recuperar a vida moral e religiosa do povo era instruindo-o na escola da fé. Elaborou uma confissão de fé e um catecismo para complementar a obra: “A forma das Orações em 1542”.

Calvino acreditava que a Bíblia era a “escola do Espírito Santo”. Seus escritores foram instrumentos, órgãos, amanuenses do Espírito Santo. Se a Bíblia era um tipo de “balbucio”, como Calvino havia dito então Deus é o Balbuciador. Era fácil perceber que as Escrituras, “que em tão ampla escala superam a todos os dotes e graças da humana indústria, respiram um quê divino” (Inst.. I, VIII, 1). .

H ) Menno Simons (1496 – 1561)

Menno nasceu em 1496, quatro anos depois de Colombo ter descoberto a América, exatos 13 anos após o nascimento de Lutero e 13 antes do de Calvino.

Ele era filho de um fazendeiro de gado leiteiro na vila de Witmarsum, a menos de 16 km do mar do Norte. Sabe-se pouco sobre a instrução primária de Menno, provavelmente estudou na escola monástica de Bolsward, perto de sua casa. Desenvolveu proficiência em latim e podia ler um pouco de grego, mas nada de hebraico.

Menno também teve contato com certos pais da Igreja, como Tertuliano, Cipriano e Eusébio. Ele dizia nunca ter lido a Bíblia até dois anos após sua ordenação como sacerdote, embora, claro, tenha tido algum contato com aas Escrituras na liturgia romana.

Foi ordenado ao sacerdócio católico em março de 1524, aos 28 anos. A princípio, foi nomeado sacerdote paroquial na vila de Pingjum, o berço de seu pai. Ali serviu por sete anos, antes de chamado para sua vila natal, Witmarsum, em 1531. Durante esse período, desempenhou as tarefas usuais de um sacerdote do campo, e os fez muito bem; a mudança para Witmarsum foi uma promoção. Por outro lado, ele gastava muito tempo em atividades frívolas, tais como beber e jogar cartas. Ele confessou mais tarde que, mesmo depois de ter começado ler a Bíblia: “eu queria aquele conhecimento pelas luxurias de minha juventude, numa vida impura, sensual e vã, e não buscava nada além de lucro, conforto, favor dos homens, esplendor, nome e fama, como todos os que seguem essa linha geralmente fazem”.

Mais tarde, Menno veio a perceber com o autor de Eclesiastes, que todos esses encantos com efeito eram “vaidade”. Como Lutero, Zwinglio e Calvino, teve também de debater-se com o evangelho.

Em 1525, no mesmo ano em que Grebel e Mantz estava organizando as primeiras congregações anabatistas na Suiça, Menno começou a ter dúvidas quanto ao dogma da transubstanciação.

Já em 1521, Cornelius Hoen, líder dos sacramentistas holandeses, havia ensinado que o pão e vinho na Eucaristia eram meros símbolos do sofrimento e da morte de Cristo. Não se sabe se Menno teve acesso aos ensinos de Hoen, mas por certo lera algum dos folhetos de Lutero. Mais tarde, Menno declarou que os escritos de Lutero o haviam ajudado a perceber que as “injunções humanas não podem restringir até a morte eterna”. Ele não seguiu a explicação de Lutero sobre o sacramento do altar, mas adotou uma mais próxima de Zwinglio. Contudo, a dúvida inicial de Menno sobre a doutrina da transubstanciação foi uma ruptura importante em sua antiga devoção à missa. É provável que Menno continuou a celebrar a missa nestes moldes durante muito tempo, depois de seu questionamento ter começado.

Menno poderia ter permanecido tranquilamente dentro do redil romano, não tivesse começado a questionar outro pilar da tradição estabelecida, o batismo infantil. Após a leitura do livro de Theobald Billicanus, pregador da Alemanha meridional, que citou Cipriano como um advogado do batismo de adultos; ele examinou os argumentos de Lutero, Bucer, Zwinglio e Bullinger, mas achou que em todos faltava algo. Ele consultou seu colega sacerdote em Pingjum; leu os pais da Igreja. Por fim, Menno “pesquisou diligentemente as Escrituras e considerou seriamente a questão, mas não pôde encontrar nada sobre o batismo infantil .

Em 30 de março de 1535, um grupo de aproximadamente 300 anabatistas violentos capturou o Velho Claustro perto de Bolsward. Durante oito dias, resistiram aos ataques das autoridades, mas em 07 de abril, o claustro foi retomado e os radicais assassinados de forma selvagem. Entre eles estava o irmão de Menno. Esse acontecimento precipitou uma crise em sua vida.

Menno percebeu que não vivera à altura da luz que havia recebido. Ele implorou a Deus por perdão e por uma nova vida em Cristo. Durante os próximos dez meses, Menno como sacerdote da paróquia de Witmarsum, tentou realizar uma reforma evangélica.

Sua ruptura definitiva com a Igreja de Roma foi em 1536, no mesmo mês em Jan de Leyden foi torturado ater a morte. Ele sentia uma compaixão especial pelas pobres ovelhas desgarradas que vagam sem pastor.

Um ano depois foi convidado por sete ou oito irmãos anabatistas que aceitasse o ofício de ancião ou pastor da irmandade. Depois de algum tempo pensando, ele aceitou e começou a ensinar e a batizar.

De sua ordenação em 1537 por Obbe Philips, até sua morte em 1561, Menno exerceu influência marcante nos anabatistas dos Países Baixos e da Alemanha setentrional. Durante a maior parte desses anos, ele levou a vida de um herege perseguido, pregando à noite em conventículos secretos de irmãos e irmãs, batizando novos cristãos em Amsterdã a Colônia, e até Danzique.

Em 1540, publicou o que viria a tornar-se seu mais influente trabalho, chamado “O Fundamento da Doutrina Cristã”, de certa forma, esse tratado é comparável à primeira edição das Institutas de Calvino. Era ao mesmo tempo um tratado para a época e um tipo de instrução catequética para os novos cristãos.

Os últimos escritos de Menno tornaram-se mais polêmicos à medida que foi forçado a definir suas idéias contra vários oponentes. Alguns de seus escritos forma dirigidos contra colegas anabatistas, como David Joris, que via a si mesmo como o “Davi” escatológico e que atraiu muitos dos munsteritas, desiludidos.

Menno enfrentou muitos perigos e é de se ficar surpreso que tenha conseguido sofrer uma morte natural aos 66 anos .



RESUMO

Com todo o trabalho desenvolvido de pesquisas, procuramos de forma a conscientizar a todos das verdadeiras dificuldades: políticas, social e religiosa que envolvia as sociedades da época dos reformadores, seus pensamentos e suas atitudes, visando sempre o resgate dos princípios bíblicos.

Como base de conclusão estima-se os seguintes propósitos da Reforma:

• Abolir os chamados sacramentos, à exceção da Ceia e do Batismo

• Eliminar o culto aos santos

• Restabelecer a doutrina da salvação pela fé sem o concurso das indulgências

• Eliminar o celibato clerical

• Simplificar o culto, mediante a adoção de uma nova liturgia

• Reconhecer o direito à liberdade de interpretação da Bíblia

• Substituir o latim pelo idioma nacional, nas cerimônias do culto

• Restabelecer a prática de muitas verdades doutrinárias, então esquecidas.



Estas medidas produziram os seguintes efeitos sobre a estrutura religiosa da Igreja na época:

• Quebrou a hegemonia da estrutura dogmática e hierárquica

• Pôs em dúvida a autoridade do Papa como o sucessor de Cristo

• Negou a validade de muitos dogmas

• Pôs fim ao monopólio religioso

• Dividiu os cristãos ocidentais em dois grupos diferentes

• Gerou um conflito de idéias religiosas antagônicas que se estendeu por cerca de dois séculos

• Aboliu impostos e outros tributos instituídos pela Igreja forçando-a a um reexame de suas antigas posições, e levando-se a abolir muitas de suas práticas, hábitos e costumes.

A reforma protestante teve como base de sustentaçãodoutrinária os seguintes princípios:

• Cada indivíduo é livre para examinar e interpretar as Escrituras Sagradas;

• As Escrituras Sagradas constituem a única regra de fé e a única autoridade em assuntos de natureza religiosa;

• A fé em Cristo é o único meio, através do qual a criatura humana poderá alcançar a justificação.

• Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e o homem e além Dele não existe outro caminho.

• O Espírito Santo é o legitimo representante de Cristo na terra.


A Reforma fez estremecer as bases da estrutura religiosa na época, e provocou profundas e radicais mudanças no comportamento religioso, com relação à liturgia e aos cerimoniais, além de determinar também mudanças na hierarquia e governo da Igreja.

Iniciado na Alemanha, o movimento reformista espalhou-se rapidamente por toda a Europa, Calvino o divulgou na França, Suiça, Holanda e Itália. Knox discípulo de Calvino, o divulgou na Escócia, onde fundou a Igreja Presbiteriana. Na Inglaterra, sua implantação foi favorecida por circunstâncias políticas. O rei Henrique VIII que a principio fora anti-reformista, mudou sua opinião quando rompeu suas relações com o Papa, porque este recusou a anular seu casamento com Catarina de Aragão e aprovar seu novo casamento com Ana Balena. Separou a Igreja da Inglaterra da de Roma e confiscou os bens desta, em seu país. Assim no final do século XVI organizava-se na Inglaterra a Igreja Anglicana, que passou a ser oficial.

Na verdade há o interesse da monarquia inglesa em submeter a Igreja e tornar o rei a autoridade suprema. A reforma anglicana consolidava-se em 1558, sob o reinado de Elizabeth I.

A reforma Calvinista começa em 1534 na França, com as pregações de João Calvino, mais radical que Lutero, Calvino defende a tese de o homem nascer predestinado à salvação ou à condenação. A predestinação tornou-se uma questão no contexto da história da salvação .

Considerava- a livre de todas as proibições não explicitadas nas Escrituras, o que torna às práticas do capitalismo lícitas, em especial a usura, condenada pela Igreja católica.

O homem deve buscar o lucro por meio do trabalho e de uma vida regrada, também é formas de louvar a Deus.

Com a Reforma protestante, nasce o Protestantismo, iniciado pelo teólogo alemão Martinho Lutero, no século XVI, que rompe com a Igreja católica. As criticas de Lutero ao catolicismo começavam em 1517. Defende ser a fé o elemento fundamental para a salvação do individuo e condena a venda de indulgências pela Igreja e o relaxamento dos costumes do clero na época. Em 1519, Lutero afasta-se definitivamente do catolicismo ao negar ao primado do Papa. Dois anos depois é excomungado pelo Papa leão X.

Com a simpatia dos diferentes setores da nobreza e dos camponeses, o luteranismo difunde-se na Alemanha. Lutero traduz a Bíblia para o alemão e abole a confissão obrigatória, o culto dos santos, o jejum e o celibato clerical. Só aceita os sacramentos do batismo e da eucaristia.

Os protestantes também negam o culto à Virgem Maria e aos santos. O nome protestante é atribuído, na época, aos partidários da Reforma que protestam contra a Dieta (assembléia convocada pelos reis) de espira em 1529. A igreja Protestante, também conhecida como Evangélica reivindica a reaproximação da Igreja com o cristianismo primitivo.

O protestantismo divide-se em protestantismo histórico, criado a partir da Reforma, e protestantismo pentecostal, surgido no começo do século XX. Todas as Igrejas protestantes celebram natal, páscoa, pentecostes e as demais festividades cristãs. Também há comemorações particulares a cada uma delas, como o Dia de Ação de Graças, celebrado pelos luteranos, e o Dia da Escola Dominical, comemorado pelos Metodistas.

Calcula-se que o protestantismo tenha cerca de 500 milhões de adeptos em todo o mundo. O Brasil reúne o maior número de protestantes da América do Sul, cerca de 20 milhões de pessoas.

O protestantismo histórico é decorrente do protestantismo que compreende as Igrejas formadas a partir da Reforma, como a Luterana, a Presbiteriana, a Anglicana, a Batista e a Metodista.


CONCLUSÃO

As práticas citadas têm por finalidade visar as transformações e a libertação do poder do Clero, que praticava doutrinas não concernentes as escrituras Sagradas, principalmente no tocante a Salvação, Perdão e Eucaristia.

Muitos lideres que entenderam e compreenderam a vontade divina e conheceram a Palavra de Deus com verdadeiros princípios de doutrina; não mais aceitaram tal imposição do Clero. Lutaram e morreram visando seus ideais e as reformas que mudariam a história do cristianismo no mundo.

Com o passar do tempo, temos visto que o Clero tenta mais uma vez, unificar suas forças através do ecumenismo, numa fusão ou sincretismo de doutrinas, unindo os interesses particulares de algumas Igrejas evangélicas com a Igreja católica, em práticas conjuntas de batismo, casamentos, retiros, palestras etc...

O cristianismo no seu geral, pode-se dizer que vive um retrocesso voltando-se contra os princípios da Igreja do primeiro século: (Perseveravam na doutrina dos apóstolos que tinha sua crença correta nos ensinos das escrituras – At 2,42).

As Igrejas pouco a pouco estão perdendo sua identificação com a Igreja primitiva.

A sociologia, filosofia e psicologia estão transformando o cristianismo em apenas uma boa comunhão entre as pessoas e prática de boas obras, sem que haja um arrependimento de seus pecados e um processo genuíno de conversão. Hoje existe um cristianismo de facilidades, que é vendido em quase todas as esquinas.

No entanto, faltam ânimo e vontade política das Igrejas que ainda vivem a verdadeira fé cristã, para se levantarem para um combate de transformação religiosa novamente.

A graça não muda o que foi escrito, mas a Graça muda o homem pelo que foi escrito.

O Clero com muita astúcia e habilidade esta retomando o controle, sobre o mundo religioso, pois todas as reformas do passado parece não ter mais valor. Tais lideres cristãos ou até mesmo a membresia não mais se interessam por estudos minuciosos das Escrituras Sagradas, deixando-se levar por ventos de doutrina.

O ecumenismo atual avança seus campos e suas fronteiras e não tardará a sufocar o verdadeiro cristianismo, cumprindo-se as Escrituras, com relação mais uma vez as perseguições aos fiéis da fé.

Seremos mártires na defesa da verdadeira palavra de Deus, ou apostatas da fé? Preocupados com o nosso viver e bem estar.?





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Consulta a Internet

Http://.wikipédia.org/wiki/cristianismo

Cópia extraída em 29.11.2005


autor PASTOR CARLOS EDSON DE ALMEIDA.